Mexer em time que está ganhando é arriscado. Ainda mais quando pensamos no século 21, que é um século de fórmulas e receitas pré-estabelecidas para gerarem obras ou franquias milionárias. Fórmula Marvel, jogos de “simulador de pai triste”, jogos de FPS que importaram a sistemática de respawn para diversos outros jogos e gêneros, o boom dos jogos de RPG de mundo aberto e mapas maiores que muitas cidades reais e assim segue. As fórmulas têm norteado a indústria pop como um todo, seja o cinema, a música, a literatura e, em nosso caso, os jogos.

Com o aval da Nintendo para a utilização da sua marca e da imagem do seu principal mascote, o bigodudo Mario, além de todos os personagens agregados à marca do encanador, a Ubisoft escalou dois dos seus vários estúdios espalhados pelo mundo para liderarem o desenvolvimento do projeto: os estúdios de Milão (Itália) e Paris (França).

Com o apoio, supervisão, liberação de uso da marca e dos personagens da Nintendo, além de dois estúdios da Ubisoft trabalhando juntos (e ainda com a cooperação de outros estúdios da própria Ubisoft dando suporte ao projeto), Mario + Rabbids: Sparks of Hope foi lançado cinco anos após o primeiro game — agosto de 2017 para o primeiro jogo e outubro de 2022 para este novo game.

E sobre o risco falado no início do texto, ele realmente existiu em termos de produção, desenvolvimento e o produto final em se tratando de forma e conteúdo. Ora, seja o primeiro ou o novo jogo, estamos falando de um estilo de jogo que, por mais que a Ubisoft e a sua variada gama de estúdios já tenham lançado inúmeros jogos de estratégia ao longo de sua história, a Nintendo, quando falamos mais restritamente da marca Mario, não havia, até o primeiro Mario + Rabbids, lançado um jogo do italiano bigodudo que fosse do estilo de estratégia.

Com tanto em jogo, o maior risco e aposta foi da própria Nintendo. Afinal, querendo ou não, a Ubisoft é um estúdio que, não raramente, costuma entregar jogos das suas principais franquias sem os devidos polimentos, apresentando problemas gráficos, na jogabilidade e outros mais.

Do outro lado, por normalmente ter práticas bastante tradicionais com suas obras e marcas, foi a Big N que primeiro resolveu dar uma chance para que seu principal personagem estrelasse um outro gênero, e sem a gerência de desenvolvimento da Nintendo. E quando digo estrelar, não há outro termo, já que, mesmo sendo desenvolvido por uma outra empresa que não a japonesa, Mario estampa o título. Logo de cara, seu nome é primeira palavra a surgir no título dos dois primeiros jogos.

A complexidade de uma história simples

A união entre os Rabbids, os “coelhos” que surgiram pela primeira vez em Rayman, famosa série de jogos da Ubisoft, e os personagens da marca Mario (entre vilões e heróis), deu tão certo no primeiro jogo que se tornou necessário retomar a parceria. E foi aí que, em um dia festivo no Castelo da Princesa, a tranquilidade da turma do Mario e dos Rabbids é ameaçada quando um Spark (uma mistura das Lumas de Super Mario Galaxy e de um Rabbid, da série Rayman) cai no meio daquela festiva tranquilidade, dando o start no senso de urgência que acaba por permear todo o jogo.

A paz que reinava no Mushroom Kingdom, agora perturbada pela aterrissagem forçada do Spark para alertar sobre o perigo iminente, traz consigo a primeira grande batalha e o vislumbre do grande inimigo do game: Calamita, uma força astral que bastante lembra, seja pela forma ou pelas cores, os monstros criados por um escritor mais ou menos conhecido… H.P. Lovecraft.

Pelos mundos do jogo, existem ainda as Malumbras, “seres” tentaculares e gosmentos que estão impedindo a transição entre certos trechos de uma fase. Aos heróis, cabe a missão de restituir o clima ordeiro antes da chegada de Calamita ao mundo coabitado pela turma do Mario e dos Rabbids.

Diferenças e contrastes entre os dois primeiros jogos

Se no primeiro jogo a teatralidade do gameplay é mais regrada, ou seja, estamos falando de uma obra que carrega fortes inspirações em grandes clássicos do gênero de estratégia, o segundo resolveu fornecer asas para Mario e sua turma. A Nintendo e a Ubisoft, em Sparks of Hope, mostram que é possível se fazer alterações (sejam pequenas adições ou grandes aprofundamentos) para melhorar o que já era muito, muito bom. Tirando o elefante branco da sala, o que já podemos adiantar é que Sparks of Hope é uma evolução profunda do que foi Kingdom Battle.

A começar pela narrativa do jogo, Sparks possui muito mais linhas de diálogo, personagens interagindo e para se interagir (aliás, o jogo possui legendas em português brasileiro), tramas, subtramas e mundos muito maiores que o seu antecessor. Para efeitos de comparação, algumas fases chegam a ter os tamanhos de alguns estágios já bastante densos e complexos de Super Mario Odyssey. O investimento neste segundo jogo, em linhas gerais, alcançou e abraçou todos os aspectos e escopos da obra.

Com relação aos estágios/mundos, estes são maiores e mais complexos porque tanto há mais coisas a serem feitas, como também as batalhas se tornaram mais extensas. Para tanto, o jogo ganhou aspectos narrativos que lembram os jogos de RPG: com missões, sidequests, NPCs, portas, entradas/saídas secretas, desafios a serem cumpridos e uma série de outras ações que podem ser realizadas em cada fase.

O sistema de batalhas mais divertido que poderia existir

A principal mudança, e que já pode ser sentida desde o primeiríssimo confronto com inimigos, é a movimentação dos personagens. Se antes, em Kingdom Battle, a movimentação simulava o tabuleiro, com os personagens movendo-se quadrado por quadrado, obrigando ao jogador que se pensasse em cada pequeno passo que era dado, aqui, em Sparks of Hope, não só as possibilidades de se avançar mais aumentaram exponencialmente, como também as formas e direções desses movimentos.

Cada batalha acaba por possuir suas próprias dinâmicas de ações. Muitas vezes, a partir da liberdade que temos, é mais fácil avançar até aos inimigos para tornar a batalha mais fácil e até mais rápida. Contudo, o senso de urgência maior e mais recorrente pode ser traiçoeiro.

Nas batalhas que vão se sucedendo, em algumas tantas, o jogador poderá ser penalizado se for avançando para mais próximo dos inimigos, pois há muitas “armadilhas” que vamos descobrindo ao longo do jogo. E é esse senso de urgência, misturado com o pensar de forma planejada que vai transformando cada batalha de Sparks of Hope em um acontecimento bastante único e prazeroso.

Problemas acontecem nas melhores famílias

Nem tudo são flores. Como dito no início do texto, sabemos dos problemas que a Ubisoft enfrenta sempre que lança um jogo. Aqui, apesar de não ter sido diferente, não há problemas que tenham sido vivenciados e que impediram o avanço no jogo. Contudo, são problemas e precisam de correção.

Um destes grandes problemas que pode surgir é o do desbalanceamento que há em certas batalhas. Em algumas, parece que nosso personagem é um Mario inegavelmente poderoso. Mesmo no modo de jogo exigente, que seria o equivalente ao modo difícil, não senti dificuldades em seguir avançando no game. Já em outras batalhas, exige-se que o jogador (a) seja um (a) uma espécie de enxadrista, ou poucos golpes nos retirarão da fase.

Algo que prejudica o gameplay: a câmera livre não é perfeita. Em batalhas com construções, mas verticalizadas, será rotineiro a sua visão de jogo se prender em paredes e montanhas, impedindo a visualização do ataque inimigo, por exemplo. Comigo, em alguns casos, eu só fiquei sabendo do desfecho do ataque inimigo quando eu já havia sido golpeado.

Quando teremos um terceiro jogo?

Se o aprofundamento de Sparks of Hope se refletir no número de vendas, além das DLCs que o jogo venha a ter, como foi o caso do jogo anterior, deveremos um dia desfrutar de um terceiro game desde já muito bem-vindo.

Quanto às DLCs, que elas possam, como nas do jogo anterior, trazer famosos personagens da Nintendo para dentro do jogo, incrementando uma gameplay que já é de excelente nível e bastante convidativa.

Essa análise foi feita com base em uma cópia cedida gentilmente pela Ubisoft, agradecemos pela confiança em nossa equipe.

Nota
Geral
9.0
mario-rabbids-sparks-of-hope‘Mario + Rabbids: Sparks of Hope’ merece a recomendação por distintos motivos. De antemão: é um game tão bom ou melhor que o jogo anterior. É também mais profundo, dinâmico em relação à estrutura de cada estágio e com uma narrativa mais plural e densa. A obra prova que o que já era bom há cinco anos, mesmo sem se arriscar justamente porque funcionava muito bem dentro das regras dos jogos de estratégia, pode ficar e ficou ainda melhor. Arriscar fez desta continuação um jogo que, ao não realizar o mais básico copia e cola das obras da Ubisoft, fez sair ganhando o próprio jogo, a franquia e, certamente, o jogador.