(Não contém spoilers)

Ao final de Endling, o jogador talvez já não seja a mesma pessoa que iniciou o game há umas quatro ou cinco horas antes. O que prova, afinal, que o jogo funciona para além do bom funcionamento das suas mecânicas. ‘Extinction is Forever’, o subtítulo de Endling, deixa uma mensagem absurdamente transparente sobre aspectos centrais da trama da obra.

E se a extinção é para sempre, que forças poderiam mover qualquer personagem do jogo? A resposta é tão transparente quanto o subtítulo: o amor de uma mãe. E é assim, através da desesperadora sensação de se perder um filho, que Endling nos atira em uma sucessiva espiral de desgraças que, felizmente, não duram mais que que umas quatro ou cinco horas. Mesmo assim, são horas mais do que suficientes para dar socos e pontapés em nosso coração e alma.

É através do rapto de um dos seus quatro filhotes, que uma raposa inicia a sua busca frenética e desenfreada para resgatar seu filhote. E não é só isso: enquanto ronda os arredores em busca de pistas para encontrar seu filhote, a mãe em questão precisa também se preocupar com suas outras três crias. E consigo mesmo! A espiral de desgraças que falei conta ainda com outros perigos iminentes à raposa e filhotes. Há, ainda, os perigos humanos e naturais.

Não é só a extinção que é para sempre. Os perigos não fazem feio e estão por toda a parte. Até mesmo durante os momentos de descanso, que também servem como os save points, a insegurança circunda a apenas alguns passos de distância. Sobreviver em um mundo hostil e que em todo o tempo hostiliza torna cada caminho tomado e passo dado ainda mais importante, visto que, além de cuidar de si próprio, dos três filhotes e ter que tomar cuidado com as ameaças de caçadores e peleiros, o jogador precisará manter os três filhotes devidamente alimentados.

A alimentação deles é fator crucial durante todo o jogo. Com isso, Endling garante que nossa preocupação seja sempre a atual e a futura (o jogador pode pensar: “será que eu consigo atravessar determinado trecho sem perceber algum filho”?).

Afora tudo isso, vaguear pelo mapa faz, naturalmente, que o dia avance. E assim, surge a noite. Ainda que durante a minha gameplay eu não tenha enfrentado grandes perigos noturnos, e provavelmente porque eu respeitei justamente o alcançar máximo da noite indicado por uma espécie de bússola que nos alerta para o crepúsculo, a noite, por si só, não é o grande perigo: e sim a fome.

A única constante durante todo o jogo além do desesperado da mãe que busca por um filho, é a insegurança alimentar dos seus outros três filhotes. Apesar de muitos jogos possuírem relações familiares entre os personagens, apenas raros conseguem transmitir um sentimento de pertencimento ao seio materno de forma tão real.

Mas, e se o jogador, eventualmente, por não conseguir achar alimento para os filhotes ou por descuido, testemunhar a barra de energia de algum deles chegando ao fim? Comigo, isso aconteceu uma vez. Descobri da pior maneira que o jogo não quer apenas que a gente se preocupe com o filho desaparecido. Todos as pequenas raposas importam.

As mecânicas de Endling

Nossa personagem não atira, não bate, não revida e não possui poderes. Aqui, estamos jogando com um animal dotado apenas das ações mais básicas do animal que se é: uma raposa. Podemos andar, rastejar, pular, correr, cavar e latir. Além desses comandos, é possível (e também necessário para se progredir no jogo) se farejar os odores de determinados objetos, máquinas e lugares que nos levem ou direcionem ao paradeiro da quarta e sumida cria.

A mecânica de farejar, que também pode ser aliada ao comando de rastejar, emula uma ação de stealth necessária para que, ao caçar outros animais, não os afugentemos. Não adianta, então, partir para a caça desenfreada, pois os outros animais certamente escaparão, apenas prolongando o tempo para que sejam abatidos e virem alimento para os filhotes. Caçar, em Endling, exige a cautela. Afinal, é preciso se voltar para as tocas improvisadas que vão sendo descobertas ao longo do jogo para que nossa personagem principal possa, junta aos filhos, descansar e recuperar as forças.

Ainda sobre as habilidades e mecânicas, não é só a mãe que consegue fazer o que fazer. Aos poucos, ao longo da progressão narrativa e dos locais que são visitados e que não necessariamente estão integrados à narrativa principal, as poderão conquistar um pequeno número de habilidades úteis ao jogador e mais ainda para elas. Com um botão específico, o jogador consegue ativar o uso dessas habilidades nos filhotes.

Os próprios desafios que a natureza, no jogo, vai impondo, organicamente vai criando a necessidade do upgrade das habilidades dos filhotes. Para ver cada habilidade, sempre que se dorme nas tocas improvisadas, há um botão específico para acessar esses galhos (e não árvores) de habilidades.

Cada filhote possui apenas restritas habilidades, como subir em árvores, cavar e outras em comum. São úteis quando o jogador, por exemplo, possa estar prestes a ver ser abatido pela fome um dos filhotes. É então que, em um chão qualquer, há a possibilidade de se cavar para se achar algum alimento, prologando por mais alguns poucos minutos a vida dos pequenos até que se ache uma outra fonte alimentar.

As idas e vindas que o jogador acaba tendo que realizar seguem a linha tradicional de qualquer metroidvania mais ou menos famoso. A sistemática de backtracking é orgânica porque, antes de precisar voltar para se avançar para qualquer ponto, é preciso se retornar ao local de repouso. Com isso, o eterno retorno por onde já se passou não é uma mera condição ou opção: é obrigação. Ou se volta, ou morre-se fome.

Um outro botão que também libera novas informações é o botão que acessa, também nas tocas, a quantidade de pistas encontradas até que se ache a quarta cria. Em geral, a cada três dias finalizados no tempo do jogo, ao se sair da toca, um rastro na cor lilás é posto em frente à mãe para que se siga ou não por aquele caminho. Seguir é o ideal, visto que espectros da mesma cor surgem para contar o que teria ocorrido naquele exato local em que uma pista é encontrada.

A cada rodada em que o rastro aparece, há sempre três pistas a serem descobertas. O jogo chega ao seu “final” quando o último rastro com a última pista é encontrado. Quando do encerramento de cerca de 30 dias, a jornada principal é “encerrada”.

Feito pra acabar

Apesar do jogo ter localização em português do Brasil, muita coisa acontece ou é explicitamente dita no fundo dos cenários. À medida que o jogador se desloca pelos locais, basta um olhar atento que paredes e placas mais ao fundo para se perceber mensagens de cunho sociopolítico e ambiental que vão esclarecendo que o destino de todas e todos não será algo esperado, sonhado ou buscado. A extinção é para sempre, afinal.

Dois parágrafos acima, tomei a liberdade de escrever “final” e “encerrada” ao me referir à conclusão de Endling. Tratei assim, com aspas, porque o jogo nos reserva uma surpresa inesperada em seu real final.

Esse fim, da forma como foi pensado, é a consolidação de um recado que o jogo nos dá praticamente a cada instante. Esse epílogo, brilhantemente triste, é a somatória não só da jornada daquela raposa e suas crias, mas é a culminância de todo mundo que passou pela vida delas, amistosamente ou não.

Nota
PONTUAÇÃO GERAL
10
endling-extinction-is-forever-e-um-metroidvania-cuja-forca-esta-em-sua-mensagem-ambiental-confira-a-nossa-analise‘Endling: Extinction is Forever’ pode e deve ser recomendado por motivos variados. Antes de qualquer coisa, porque ele funciona bem da forma mais tradicional possível, ou seja, enquanto um jogo com seus objetivos muito claros, mas também consegue validar suas mensagens, que não são tantas, mas são fortes. Assim, apesar da protagonista não ter falas, conseguimos ver e sentir cada emoção que é manifestada por ela e pelos demais NPCs que estão junto dela ou contra ela nessa incrível jornada de uma mãe.