Alguns sentimentos são bem difíceis de se explicar em palavras. Alguns sentimentos, por exemplo, sequer têm tradução para outro idioma. A nossa palavra ‘saudade’, é uma delas. Não conseguimos traduzir ou localizar essa palavra que nós usamos tanto em nosso vocabulário.

Return to Monkey Island despertou em mim um novo tipo de sentimento, algum sentimento que talvez possa até ter alguma palavra em algum idioma que eu não tenho total domínio. Mas de qualquer forma, peço-lhe encarecidamente que pegue o seu banquinho e sente-se ao meu lado, pois vou te contar uma história. Uma história de como uma experiência com um videogame pode lhe transportar direto para um momento incrível da sua vida.

Por muitos e muitos anos da minha vida, onde a única plataforma que eu conseguia jogar algo dentro da minha própria casa era o meu bom e velho computador de mesa com suas configurações bem modestas. Portanto, tudo o que eu podia jogar no PC, eu jogava de forma tardia. Era como se eu estivesse uma geração abaixo se colocarmos uma comparação com os consoles.

Portanto, era normal que eu sempre jogasse jogos bem antigos e que não estavam, como podemos dizer hoje, no hype. Alguns desses jogos que caíam em minha mão de alguma forma que eu não lembro muito bem, mas sempre eu dava de cara com algum cd-rom com algum jogo que eu nunca havia ouvido falar.

Afinal, é o PC né? As revistinhas de jogos já estavam com suas capas mostrando o que estava chegando de novo no Nintendo 64 e no Playstation. E convenhamos, que vinte anos atrás já fazia pelo menos 10 anos desde o primeiro grande impacto que a franquia Monkey Island veio ter na indústria.

Em algum momento da minha vida que eu não consigo recordar o ano, lá estava eu de frente com o segundo jogo da franquia: Monkey Island 2: LeChuck’s Revenge. Uma capa linda com um pirata horripilante segurando um boneco de vodu e um rapaz loiro tapando os ouvidos. Naquela época, as capas não só de jogos, mas de todas outras mídias, influenciavam muito.

Afinal, você não tinha como ver trailer ou qualquer outro conteúdo para ver como funcionava o jogo. Mas eu vi ali o logo da LucasArts e lembrei que poderia ser algo “na pegada” de jogos que eu já havia jogado e amava tanto: Grimm Fandango e Day of the Tentacle. Logo, eu já sabia que pelo menos algumas horinhas de diversão eu iria ter.

E claro, não foi diferente. Ron Gilbert e Dave Grossman são duas cabeças pensantes que podem abrir o peito e ser egocêntricos o suficiente para dizer que moldaram um gênero e revolucionaram a forma de contar história na indústria dos videogames.

Mas chega de muita historinha pessoal, eu trouxe você até aqui pois precisava chegar até Monkey Island 2 para começar essa análise. Afinal, ele é um título polêmico na franquia e é importantíssimo para esse “retorno”.

Um retorno Necessário

Tentar ficar procurando dar algum sentido ao final bizarro de Monkey Island 2 (e eu não irei dar spoiler aqui) discutindo e xingando pessoas nos fóruns da internet, me “assombrou” por muitos anos. Foi tão inesperado e surreal que nem mesmo aqueles que continuaram o legado de Ron Gilbert, Tim Schafer e Dave Grossman ousaram mencioná-lo.

É como se nunca tivesse existido, mas… sim, aconteceu. Então as aventuras de Guybrush Threepwood prosseguiram sem que ninguém desse uma resposta a esse grande mistério. E nós, fãs, mesmo sabendo que já era impensável que um dia tivéssemos aquele tão esperado Monkey Island 3, continuamos debatendo, discutindo e tentando dar sentido não só a esse desfecho surpreendente, mas também a outras grandes dores de cabeça que desde suas origens definiu esta lendária saga de aventuras.

Qual é o segredo da Ilha dos Macacos? Só de pensar nisso é assustador porque, veja bem, passamos as últimas três décadas sonhando com esse momento quase que obsessivamente, então as expectativas são tão altas, que é muito difícil para mim imaginar qual será a resposta para esse mistério que vemos em Return to Monkey Island.

Eu me conectei com ele de uma maneira tão especial que me comoveu em muitos momentos. Aquele risinho no canto da boca a todo momento em que joguei Return to Monkey Island é exatamente aquela sensação que nosso vocabulário ainda não tem uma palavra bem definida. E não, não é nostalgia, é muito mais que isso.

Ele me trouxe de volta à minha infância com seu humor pateta e todas aquelas conversas que não levam a lugar nenhum, mas são tão absurdas e engraçadas que você nunca se cansa de ouvir. Não existe nada mais gostoso do que ficar insistindo em um diálogo que se fosse em um episódio de Chaves, o Quico iria interromper para pedir para nos calarmos para não o deixá-lo louco.

Foi maravilhoso voltar à ilha e me redescobrir com todos aqueles personagens que me ensinaram a amar um gênero tão belo que é o gênero de adventure game; e ainda mais aproveitei como nunca aqueles momentos de “eureka” que me iluminam com a resposta para um puzzle que estava me deixando ‘ablablublé’ das ideias apenas alguns minutos antes.

Se você não estava muito a par do retorno dessa franquia maravilhosa, talvez não soubesse da polêmica sobre os gráficos de Return to Monkey Island. Eu mesmo fui um que ao ver o título sendo anunciado, fiquei um pouco receoso com o seu estilo de arte. Mas veja bem, tudo o que envolve este jogo é uma questão de debate há décadas por tudo que já foi dito aqui neste texto.

Se pararmos pra pensar que isso levou quase 30 anos para se concretizar, é normal que durante todo esse tempo cada um de nós criou expectativas tão inusitadamente altas que para esse jogo que em algum momento, nós iríamos nos desagradar com alguma. Pelo menos de início, já que por mais que você imagine que não, esse é o Monkey Island que você sonhou por tanto tempo.

Ok, talvez possa não ser pra você, mas toda vez que penso em minhas aventuras com Guybrush Threepwood, sorrio. E para mim vale isso valeu ouro.

E quer saber? Aposto dois biscoitos passatempo com você que após 15 minutos de jogo você já vai estar imerso de uma forma que vai achar tudo aquilo ali lindo, indo de contraponto com todo o pré-conceito que você possa ter tido com o estilo visual que os criadores optaram por esse título. E sim, é tudo lindo.

Return to Monkey Island é deslumbrante, o jogo respira e dança conforme a trilha sonora ainda mais mágica do que nunca. O visual rapidamente me remeteu aos desenhos da Nickelodeon dos anos 1990, como Ren & Stimpy, os close-ups no rosto dos personagens me lembraram alguns momentos da recente animação do Cartoon Networrk: As Trapalhadas de Flapjack.

A dose correta para fisgar os “véi paia”

Há algo nesta nova história que vai direto ao coração do fã que esperou todos esses anos por isso. E não estou dizendo isso apenas por causa das muitas referências e referências aos jogos da saga Monkey Island, que são muitas.

Parece que o próprio jogo está ciente do porquê que nos trouxe até aqui, que nos permitiu desfrutar do “jogo o que honestamente nunca pensamos que poderíamos fazer novamente”, sempre acompanhado do desejo de responder à grande pergunta que nos obceca por anos.

Se o divertido Thimbleweed Park emulou fielmente a forma de jogar dos antigos LucasArts, o novo Monkey Island mantém o espírito desses clássicos intacto, mas com uma interface sensível ao contexto renovada a ponto de nos permitir interagir com tudo ao nosso redor simplesmente usando dois botões.

Preste atenção às mensagens que aparecem quando você aponta com o cursor porque são descrições muito bobas com as quais é difícil não soltar um risinho no canto da boca. Por exemplo, quando você aponta para a porta de um lugar imundo, você vai ler um engraçado “fuja dessa praga”, e é bobo, eu sei, mas define muito bem o humor ingênuo que caracteriza Monkey Island e que me faz amar tanto ele.

Eu ri muito com as mil e umas piadas que o bom e velho Guybrush Threepwood faz e diz, mas ao mesmo tempo, curiosamente, explorar a Ilha Mêlée (aqui localizada pela primeira vez, para Ilha Sopapo) também me invadiu com uma sensação brutal de melancolia que às vezes me deixou sem palavras.

O Scumm Bar ainda é o Scumm Bar… mas diferente, mudou; como o estaleiro onde conhecemos Stan ou até a loja Voodoo. E isso é algo que me fez conectar de forma especial com a história de Return to Monkey Island. É verdade que às vezes abusa das autorreferências e às vezes quase parece um remake do original ao repetir certas ideias ou situações de jogo, mas há algo no que conta e na forma como conta que me cativou.

Ron Gilbert e Dave Grossman jogam muito bem com as expectativas dos fãs. Eles sabem o que estamos querendo ver há anos, então quando você menos espera… BOOM, aí você tem um golpe de pura nostalgia que te faz vibrar de emoção. Cheguei a chorar de alegria em algumas cenas porque tudo, música, estética e diálogos, estavam a serviço daquele momento especial.

E funciona muito bem em um nível emocional porque, sério, é exatamente o que você queria ver. Mas o jogo também é bastante desonesto no sentido de usar muitos desses desejos de forma inesperada. E é uma pena porque há situações muito poderosas que duram tão pouco, que você fica querendo mais.

Mas se você lembrava vagamente dos acontecimentos dos jogos anteriores, ou sequer jogou eles, saiba que Return to Monkey Island conta com um resumo rápido e bem direto ao ponto, mas que não deixa de ser importante e te coloca pronto para essa nova jornada. Ok, se você nunca jogou os jogos clássicos dessa franquia, irá perder muitas coisas.

Mas o jogo faz questão de saber quem é a todo momento e lembrar de muitos acontecimentos, mesmo que de formas sutis. Os personagens que nós amamos estão lá, os novos que somos apresentados, são tão carismáticos quanto. E é tudo exatamente como deve ser.

O retorno aos quebra-cabeças da ilha dos macacos

Admito que o primeiro trailer de Return to Monkey Island me fez temer o pior: uma aventura gráfica quase sem quebra-cabeças e cenários vazios. Como eu estava errado. Como eu estava terrivelmente errado. O jogo da Terrible Toybox e publicado pela Devolver Digital é fiel à filosofia de design que Ron Gilbert estabeleceu na antiga LucasArts e que hoje continua sendo o santo graal para muitos designers de videogames.

Há muita exploração, muitos itens para adicionar ao inventário, diálogos hilários e vários objetivos simultâneos que se entrelaçam para que, quando você ficar preso em um quebra-cabeça, possa continuar a aventura fazendo outras coisas. O jogo também vai de menos para mais. Você começa na Ilha Sopapo explorando locais familiares e termina em um ambiente muito maior, com muito mais itens em seus bolsos.

O design dos puzzles está realmente em alto nível. Há uns bem simples e outros mais rebuscados, mas o que eu mais gosto é que todos eles têm uma lógica dentro do mundo louco de Monkey Island, evitando aqueles quebra-cabeças que basicamente sugerem que você combine tudo com tudo para ver se você tem sorte e vai descobrir por acaso aquele puzzle que você nunca mais irá lembrar na vida que fez.

Às vezes, a pista chave fica sutilmente escondida à vista de todos, ou como já falei, você o completa daquela forma que se torna muito gratificante resolver muitos desses puzzles, que é quando você chega naquele momento “eureka” que o fã de adventure tanto ama.

Também não faltam mapas do tesouro ou mensagens enigmáticas que escondem a resposta a grandes mistérios, mas claro, os diálogos parecem não ir no caminho certo, mas que verdade são essenciais para compreender a lógica de certos quebra-cabeças. É o puro suco de Monkey Island, ou melhor, como diria no nosso nordeste: “isso aí é Monkey Island cagado e cuspido!”.

A maioria desses desafios não é particularmente original, embora alguns tenham seu protagonismo. Mas se eles funcionam tão bem é graças ao roteiro hilário que os acompanha. É difícil não rir das bobagens que Guybrush Threepwood faz, que é capaz de entrar em uma discussão estúpida com outros personagens e você, longe de fugir dessa situação, continua escolhendo a resposta mais idiota porque quer saber até onde vai a imaginação e o roteiro genial desse jogo.

Mas além do humor, o ritmo da ação em si é perfeito. Os quebra-cabeças são encadeados um após o outro de forma tão fluida e divertida que é difícil não se emocionar pensando no que está por vir nas quase 10 horas que a aventura pode durar. O que vai acontecer a seguir? O que LeChuck está planejando?? O que esses jovens piratas querem??

Moderno na medida certa

É óbvio que o estilo artístico que o novo jogo Monkey Island optou criou grande polêmica entre os fãs da série. Como falei acima, eu fui o primeiro a ficar chocado com essa escolha porque eu idealizei os gráficos do original com um Pixel Art mais charmoso e moderno, e se eu tivesse escolhido, teria optado por algo mais no estilo do remake de Monkey Island 2.

E ainda bem que não, porque agora estou apaixonado pelo trabalho do artista Rex Crowle (Tearaway), porque o mundo que ele criou é incrivelmente bonito. Ainda existem personagens cujo design não me convence, mas no geral o jogo é lindo ao ponto de surpreender pelo grande número de pequenos detalhes que povoam cada um dos cenários pelos quais você se move.

Para onde quer que você olhe, há algo engraçado para se deliciar ou até mesmo insetos e bichos fervilhando aqui e ali, então eles são mais do que apenas planos de fundo estáticos.

Alguns cenários são tão bonitos que eu adoraria ter uma pintura inspirada neles e colocar na parede do meu quarto. E quando falamos de lugares icônicos, Crowle conseguiu dar a eles seu toque sem perder a essência, criando estampas que tenho certeza que com o tempo lembraremos com o mesmo carinho que lembramos daquele Scumm Bar maluco do original.

Return to Monkey Island também se preocupa muito em tornar as coisas mais simples com a interface, como eu disse antes, mas também com uma lista de tarefas que é atualizada e é ótimo nunca perder de vista os objetivos. Uma das coisas mais legais que pude notar, é que ao ficar longe do jogo por 4 dias, o jogo me lembrou de forma bem engraçada em que ponto do jogo eu estava, e o que havia acontecido até então.

Isso é uma melhoria de vida extremamente bem vinda. Afinal, quem nunca passou alguns dias sem abrir um save de um jogo e ficar um pouco perdido sobre o que aconteceu ou sem ter um norte para onde ir? Mas não só nisso o jogo acerta em melhorias de vida para o jogador, Return to Monkey Island também inclui um livro de pistas que funciona de maneira semelhante à Enhanced Edition dos dois primeiros Monkey Island, dando dicas que o ajudarão a resolver seus quebra-cabeças, e sim, ele pode dar a resposta final se você insistir demais.

Neste ponto eu recomendo que você jogue no modo difícil, porque a versão fácil é realmente muito fácil. E honestamente o modo difícil não é necessariamente difícil como o seu nome tenta dizer.

Também não quero esquecer o trabalho musical fenomenal que deu vida a esta nova encarnação de Monkey Island. Mas claro, como poderia a trilha sonora de Return to Monkey Island não ser boa se você tem três lendas como Michael Land, Peter McConnel e Clint Bajakian assinando a música para esta aventura gráfica.

Os temas são super variados, divertidos e emocionantes, tornando a visita a Ilha Sopapo e outras ilhas exóticas uma experiência maravilhosa. A dublagem como sempre é de altíssimo nível, com o grande Dominic Armato voltando da aposentadoria para reviver o papel de Guybrush Threepwood com o charme de sempre, ou outras novas vozes como LeChuck que eu adorei de coração.

Tudo no jogo soa como moderno e clássico ao mesmo tempo, é como se essas três décadas tivessem sido pensadas para passar exatamente com o único intuito de chegarmos em 2022 com Return to Monkey Island da melhor forma possível.

Conclusão

Não importa se você só descobriu Monkey Island agora, ou já jogou os jogos clássicos décadas atrás. Não importa se você é um veterano no gênero ou um mero cidadão casual que acidentalmente encontrou Guybrush Threepwood e decidiu acompanhá-lo até a última de suas aventuras piratas.

Porque aqui no fundo todos temos em comum aquela paixão louca e amor incondicional por um mundo, personagens e mistérios que nos acompanham há mais de 30 anos. Quem mais e quem menos já se perguntou qual é o segredo de Monkey Island? Ter a oportunidade de descobri-lo quando já parecia impossível é aquele milagre que hoje chamamos de Return to Monkey Island.

E é incrivelmente bom viver algo assim. Eu sinto que a partir de agora, o gênero mais uma vez poderá voltar a ser popular, e claro, usando o expoente criado por Ron Gilbert mais uma vez como régua para se medir a qualidade. Não tenho palavras para descrever o sentimento de estar com Monkey Island novamente. Eu já disse isso antes. Jogar Return to Monkey Island é especial porque tudo nele é uma reminiscência de uma época extremamente especial para mim.


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Nota
PONTUAÇÃO GERAL
10
analise-de-return-to-the-monkey-islandNão sei se Return to Monkey Island é a Monkey Island que você esperava porque depois de 30 anos imaginando como deveria ser, todo mundo idealizou seu próprio Monkey Island 3. O que posso garantir é que a nova aventura gráfica de Ron Gilbert e Dave Grossman é uma bela carta de amor às histórias de piratas de Guybrush Threepwood e a todos que o acompanharam nesta longa jornada. Seus quebra-cabeças são inteligentes e divertidos, há muitas ilhas para explorar, ele tem diálogos hilários e um acorde musical que te deixa empolgado para continuar acompanhando essa jornada histórica. É sem dúvida uma jornada incrível que você dificilmente esquecerá.