Eu passei umas boas  horas imerso em um mundo de ferrugem, pólvora e ambição. Um lugar que se vende não pelo que é, mas pelo que se recusa a ser. Este lugar é Warborne Above Ashes, um MMO que chegou ao mercado com a sutileza de um soco no queixo, prometendo ser o antídoto para a monotonia adocicada que tomou conta do gênero. Ele não quer te contar uma história; ele quer que você sangre por uma. Não quer te dar missões; quer te dar um alvo. E, depois de incontáveis batalhas, de vitórias vazias e derrotas instrutivas, eu posso dizer com certeza: ele cumpre parte da promessa. Mas, como em toda boa tragédia, é a parte que ele não cumpre que define seu legado.

O Coliseu Digital Sem Fim

Vamos ser honestos: o cenário dos MMOs se tornou um parque de diversões. Um lugar seguro, com trilhas bem demarcadas, onde o perigo é uma ilusão e a recompensa é garantida. Somos guiados pela mão por narrativas épicas nas quais somos o herói predestinado, e a interação com outros milhares de jogadores se resume a filas para masmorras ou acenos em uma praça central. O risco, a imprevisibilidade, a sensação visceral de que suas ações têm consequências permanentes em um mundo compartilhado, tudo isso foi lixado, polido e guardado em um baú em nome da acessibilidade.

Warborne Above Ashes

E então, do meio dessa calmaria, surge Warborne Above Ashes. Ele não pede licença. Ele arromba a porta. Sua filosofia, estampada em cada material de marketing, é uma declaração de guerra contra o status quo. “Free to Fight”. “Sem Missões de História, Sem Grind – Vá Direto Para a Luta”. “Sem Limites, Implacável, Destemido!”. Isso não é um jogo, é um manifesto. Os desenvolvedores da Qooland Games não estão tentando criar um mundo para todos; eles estão forjando uma arena para uma tribo específica e esquecida: os órfãos do PvP de mundo aberto, aqueles que sentem falta do caos de Southshore nos primórdios de World of Warcraft, da guerra de facções impiedosa que definia os grandes nomes do passado.

O jogo se despe de toda a gordura. Não há longas cadeias de missões para te ensinar a amarrar os sapatos. Não há um vilão caricato ameaçando destruir um mundo que você mal conhece. A proposta é brutalmente simples: você é jogado em um planeta devastado, escolhe um lado e começa a lutar pelo controle de território. O conteúdo principal, o único conteúdo que realmente importa, são os outros jogadores. Eles são seus objetivos, seus obstáculos, seus aliados e, inevitavelmente, seus traidores. Warborne é uma aposta ousada de que a verdadeira essência de uma experiência “massivamente multiplayer” não emerge de roteiros pré-fabricados, mas do caos imprevisível do conflito humano. É uma tentativa violenta de recentralizar o “MMO” no próprio jogador, e isso, por si só, é digno de nota.

Crônicas de Ninguém

A ausência de uma narrativa tradicional em Warborne é sua característica mais definidora e, ao mesmo tempo, seu calcanhar de Aquiles. O jogo te entrega um fiapo de contexto: em algum lugar no futuro, um colapso tecnológico chamado “Singularity Collapse” devastou a galáxia, e agora seis facções lutam pelos restos de um planeta. Essas facções são arquétipos de uma linha só os militaristas, os espiões, os fanáticos religiosos. É uma tela em branco, um palco vazio. A promessa é que nós, os jogadores, seremos os dramaturgos. Nossas batalhas, alianças e traições escreverão a história. É o sonho da narrativa emergente em sua forma mais pura.

Warborne Above Ashes

O problema é que uma boa história, mesmo uma escrita pelos jogadores, precisa de personagens com identidades persistentes e consequências duradouras. E é aqui que a estrutura de Warborne começa a desmoronar sob o peso de suas próprias regras. O jogo é atormentado por um problema crônico de equilíbrio de facções. A cada nova “temporada” – o ciclo mensal que reinicia o mapa –, o mesmo padrão se repete: uma ou duas facções se tornam dominantes, e as guildas maiores, vendo a maré virar, simplesmente trocam de lado. O sistema permite essa troca, e o resultado é um efeito bola de neve devastador. Em uma semana, o que deveria ser uma guerra de seis frentes se torna um massacre de duas contra quatro facções “mortas”, cujos jogadores restantes ou desistem ou se juntam aos vencedores.

Isso cria um paradoxo fatal. O jogo nos convida a forjar lendas, mas suas mecânicas incentivam um comportamento oportunista e imediatista que impede a formação de qualquer legado. Como pode existir uma rivalidade histórica entre duas guildas se, após a primeira grande derrota, uma delas pode simplesmente vestir o uniforme do inimigo? Como contar a história de uma facção azarona que resiste bravamente contra todas as probabilidades, se o sistema recompensa ativamente a deserção?

A Sinfonia da Cólera Perpétua

Se a ambição narrativa de Warborne é falha, sua execução do combate imediato é, inegavelmente, um sucesso. O jogo cumpre a promessa de te colocar no meio da ação em menos de 30 minutos. Você cria seu personagem, passa por um tutorial funcional e, de repente, está em um campo de batalha, com lasers e explosões para todos os lados. O combate em si é uma versão mais robusta do que vemos em MOBAs como League of Legends ou em seu primo mais óbvio, Albion Online. A câmera é isométrica, o movimento é preciso e as habilidades, atreladas ao seu equipamento, exigem mira e posicionamento. É fluido, responsivo e, no calor do momento, genuinamente divertido.

A escala do conflito é o verdadeiro espetáculo. Lutas podem surgir do nada, um duelo solitário que escala para uma briga de esquadrões e, de repente, se transforma em uma batalha campal com 200 jogadores – o famoso “Zerg vs. Zerg” (ZvZ). Nesses momentos, a tela se torna um caos de efeitos visuais, um balé de destruição onde a estratégia individual se dissolve na maré da força bruta coletiva. É impressionante de se ver.

No entanto, essa sinfonia de cólera perpétua tem um problema de ritmo. Para facilitar o acesso à guerra constante, o jogo removeu quase toda a punição da morte. Quando você cai em batalha, perde apenas um item aleatório que estava vestindo e metade dos recursos em sua mochila. Reequipar-se é rápido e barato. A consequência disso é profunda e muda completamente a psicologia do combate. O medo, a tensão, a adrenalina que vêm do risco de uma perda significativa simplesmente não existem aqui.

Warborne Above Ashes

Isso transforma os jogadores e suas vidas em recursos descartáveis. A estratégia dominante em grandes batalhas não é a tática brilhante ou a habilidade individual, mas a pura e simples atrição. O lado que consegue jogar mais corpos no objetivo, mais rápido, geralmente vence. O combate se torna uma questão de logística e números, não de heroísmo. E se cada vida tem pouco valor, cada morte também tem. A vitória, conquistada sem risco, soa vazia. A derrota, sem consequência, é apenas um pequeno inconveniente. Warborne consegue criar uma guerra que nunca para, mas, ao fazer isso, corre o risco de criar uma guerra que nunca importa. É um barulho constante, uma fúria que nunca se resolve, uma sinfonia sem silêncio e, portanto, sem significado.

As Engrenagens da Máquina de Guerra

Quando abrimos o capô de Warborne Above Ashes, a primeira coisa que notamos é a familiaridade do motor. Para ser direto: as mecânicas centrais do jogo são uma cópia quase carbono de Albion Online. A ideia de que “você é o que você veste”, onde suas habilidades são definidas por suas armas e armaduras, a progressão baseada na fabricação de itens de níveis mais altos, até mesmo o design de muitas habilidades específicas, tudo isso foi importado com pouquíssimas alterações. Para alguém que já passou diversas horas no Albion, a experiência é como visitar a casa de um amigo que se mudou e reorganizou os móveis. A estrutura é a mesma.

A principal, e talvez única, inovação mecânica significativa é o sistema de “Drifters”. Seu personagem, o “Driftmaster”, pode recrutar mais de 40 heróis diferentes, cada um com estatísticas e uma habilidade passiva única. Você pode equipar até três desses Drifters e, quando um morre em combate, você pode retornar à luta instantaneamente com o próximo. Isso adiciona uma camada tática interessante, permitindo que você mude de função, de tanque para suporte, por exemplo, no meio de uma batalha prolongada. É uma ideia inteligente que adiciona um pouco de tempero à fórmula copiada.

Warborne Above Ashes

Todo o resto, no entanto, segue o manual. A progressão está atrelada não ao seu personagem, mas à sua base móvel, a “Driftmark”, onde você pesquisa novas tecnologias. A economia é totalmente movida pelos jogadores, com coleta, fabricação e uma casa de leilões que, de forma ambiciosa, conecta todos os servidores do mundo em um único mercado global.

A Beleza Enferrujada do Apocalipse

Visualmente, Warborne Above Ashes é um exercício de pragmatismo. O jogo adota uma estética pós-apocalíptica de ficção científica que já vimos inúmeras vezes: metal enferrujado, desertos áridos, tecnologia em ruínas e uma paleta de cores dominada por tons de marrom e cinza. É funcional. É competente. Mas falta-lhe uma alma, uma identidade visual que o torne memorável. Ao caminhar por suas paisagens, eu não sentia estar em um lugar único, mas em um amálgama de todos os futuros distópicos que já visitei em outros jogos.

Há uma certa crueza, uma falta de polimento que permeia o mundo 3D. Curiosamente, a direção de arte brilha de verdade nos elementos 2D. As telas de carregamento e os retratos dos Drifters são espetaculares, com um estilo que remete a desenhos animados distópicos dos anos 70 e 80, como Heavy Metal ou as obras de Moebius. Há uma personalidade vibrante nessas ilustrações que, infelizmente, não se traduz para o jogo em si. É como se a visão artística original tivesse sido comprometida no processo de produção.

Warborne Above Ashes

O design de som segue a mesma filosofia minimalista. Não há uma trilha sonora épica orquestrada para te acompanhar. Em vez disso, o que domina é o som ambiente: o vento uivando no deserto, o zumbido de máquinas antigas, o eco de seus passos em uma cidade abandonada. Durante o combate, o caos sonoro de explosões e gritos toma conta. Funciona, mas, assim como os visuais, não deixa uma impressão duradoura.

No fundo, eu sinto que essa falta de personalidade estética não foi uma escolha artística, mas uma necessidade técnica. A grande promessa de Warborne são suas batalhas massivas e sem lag. Para que um motor gráfico consiga renderizar 200 jogadores, cada um com seus próprios efeitos de habilidade, sem transformar o computador em uma torradeira, sacrifícios precisam ser feitos. Geometria complexa, texturas de alta resolução, efeitos de partículas elaborados, tudo isso foi provavelmente deixado de lado em favor da performance. A aparência genérica do jogo é o preço pago por sua ambição técnica. A beleza enferrujada do apocalipse de Warborne é, no fim das contas, a beleza da eficiência, não da inspiração.

A Promessa de Batalhas Sem Engasgos

Chegamos ao coração técnico desta análise, eu joguei em um ryzen 7 5700x, RTX 4060, e 32 GB de ram dual channel 3600Mhz, e ao jogar em geral foi o FPS em torno de 130, porém com algums problemas e bugs.

O bug mais infame, e que eu mesma vivenciei repetidamente, é o da “queda de FPS do mapa”. O jogo roda de forma estável, mas basta abrir o mapa do mundo e fechá-lo para que a taxa de quadros por segundo despenque para níveis injogáveis, forçando um reinício completo do aplicativo. Em um jogo onde consultar o mapa é essencial para a coordenação estratégica, isso é mais do que um inconveniente; é um defeito que sabota ativamente o gameplay.

Nascido na Guerra, para a Guerra

Então, o que é Warborne Above Ashes no final do dia? É um paradoxo. É um experimento fascinante e, em última análise, trágico. É um jogo com uma tese poderosa e intransigente sobre o que os MMOs deveriam ser, arenas brutais de conflito movido por jogadores, mas é uma tese articulada com um vocabulário emprestado e proferida com uma voz que gagueja.

Ele diagnosticou corretamente uma fome no mercado por um PvP mais cru e com consequências, mas, em vez de inovar, optou pelo caminho seguro de clonar as mecânicas de um sucesso estabelecido. Ele sonhou com um universo onde as maiores histórias seriam escritas pelos jogadores, mas implementou sistemas sociais que promovem a conveniência em detrimento da lealdade, matando a saga antes mesmo que ela pudesse nascer. E, de forma mais contundente, ele apostou toda a sua identidade em uma promessa de superioridade técnica que, na prática, se revelou uma ficção.

Ele permanece como um grito de guerra, um chamado por um tipo de jogo que muitos de nós desejamos. Mas é o grito de um fantasma, um eco de uma ideia grandiosa que não encontrou a execução que merecia. Talvez seja um vislumbre do futuro, um protótipo imperfeito que inspirará outros a construir algo melhor sobre suas ruínas. Ou talvez seja apenas uma lição sobre a vasta distância que existe entre ter uma boa ideia e, de fato, fazer um bom jogo. Warborne queria ser o coliseu, mas, por enquanto, é apenas a poeira que se levanta antes do verdadeiro espetáculo começar.

Nota
Geral
6
review-warbone-above-ashesWarborne Above Ashes é uma promessa quebrada. Nasceu para ser a arena definitiva do PvP, mas se perdeu na cópia de ideias e, fatalmente, em uma performance técnica que sabota sua própria existência. É um jogo que te convida para uma guerra épica, mas que já perdeu a batalha contra seus próprios problemas.