Existe uma audácia particular nos jogos de plataforma da era do PlayStation 2. Foi um tempo de experimentação selvagem, uma adolescência desengonçada onde os desenvolvedores, já mais confortáveis com a terceira dimensão, começaram a testar os limites do que um mascote poderia fazer. Pac-Man World 2, lançado originalmente em 2002, é um filho exemplar dessa época. Ele não era apenas “Pac-Man em 3D”; era Pac-Man em patins de gelo, Pac-Man num submarino, Pac-Man fugindo de avalanches. Era estranho, ambicioso e, por vezes, um tanto quebrado. E é por isso que a notícia de um remake completo, o PAC-MAN WORLD 2 Re-PAC, me encheu de um misto de euforia e pavor.
Diferente do remake do primeiro jogo, que foi uma restauração fiel de uma fundação mais simples, este projeto é uma fera completamente diferente. Não se trata apenas de dar um banho de loja em polígonos antigos; trata-se de revisitar, reinterpretar e, em muitos casos, reconstruir por completo as ideias mais ousadas e problemáticas do original. A questão que paira sobre este Re-PAC não é se ele consegue ser uma cópia bonita do passado, mas se ele consegue ser uma versão melhor daquela memória. Será que, ao lixar as arestas, a Bandai Namco também removeu a alma idiossincrática que fez o original ser tão querido? Ao mergulhar neste mundo vibrante e reimaginado, descobri que a resposta é tão complexa e cheia de nuances quanto a própria era que ele representa.
Um Conto de Frutas e Fantasmas Falantes
A trama de PAC-MAN WORLD 2 Re-PAC é a quintessência do pretexto. Os quatro fantasmas clássicos, em um ato de pura travessura, roubam as Frutas Douradas da Pac-Vila. O que eles não sabiam é que essas frutas mantinham selado um mal antigo, o rei fantasma Spooky. Com Spooky à solta e a Pac-Terra em perigo, cabe ao nosso herói esférico sair em uma jornada para recuperar as frutas e colocar o fantasmagórico déspota de volta em seu lugar. É uma história que serve seu propósito com a eficiência de um manual de instruções: te dá um objetivo claro e sai do caminho.
O que realmente diferencia este remake, no entanto, é a apresentação. Pela primeira vez na série World, os personagens têm voz. As cutscenes, completamente refeitas com uma qualidade que beira um especial de animação para a TV, agora são totalmente dubladas. E a escolha das vozes é… uma escolha. Os fantasmas soam como capangas saídos de um filme de gângster de Nova York, o que é genuinamente charmoso e divertido. Já o Pac-Man… bem, ele soa como um pai de família suburbano tentando fazer uma piada no churrasco de domingo. Falta-lhe a atitude “radical” dos mascotes dos anos 90, mas há uma sinceridade cativante em sua performance. É uma mudança que dá ao jogo uma personalidade que o original, com seus grunhidos e texto, nunca teve, mesmo que essa personalidade seja um pouco boba.
Mais do que Apenas Correr e Mastigar
É aqui que o Re-PAC 2 brilha com mais intensidade. O jogo original já tinha uma base de movimentação sólida, mas este remake a eleva a outro patamar. Os controles são incrivelmente precisos e responsivos. O “Butt Bounce” tem um peso satisfatório, o “Rev Roll” à la Sonic é mais controlável, e o “Flip Kick” agora tem um botão dedicado, tornando o combate mais acessível. Mais importante ainda, os desenvolvedores adicionaram uma das melhores qualidades de vida dos jogos de plataforma modernos: um círculo no chão que indica exatamente onde Pac-Man vai aterrissar. Isso, por si só, elimina 90% da frustração inerente aos jogos de plataforma 3D daquela época.
O design das fases, embora ainda linear em sua essência, foi sutilmente ajustado e, em alguns casos, completamente reimaginado para um fluxo melhor. As seções de patinação no gelo são mais controláveis, os níveis de natação não são mais “on-rails”, dando ao jogador liberdade total de movimento, e até as infames fases de vulcão são menos punitivas. O jogo transita com uma variedade impressionante entre plataforma 3D pura, seções de submarino, patinação e até corridas ladeira abaixo, mantendo a experiência fresca e dinâmica do início ao fim. É um parque de diversões de mecânicas, e quase todas funcionam surpreendentemente bem.
Uma Reimaginação Ousada
Se o primeiro Re-PAC foi uma restauração, este é uma reforma completa. Os desenvolvedores não tiveram medo de mexer no que não funcionava no original. A mudança mais drástica e bem-vinda está nas batalhas contra os chefes. Quase todas foram refeitas do zero, transformando encontros que eram muitas vezes tediosos ou frustrantes em verdadeiros espetáculos de múltiplas fases, com padrões de ataque mais complexos e inteligentes. A única desvantagem dessa nova abordagem é a remoção dos checkpoints durante as lutas, o que pode tornar os chefes finais, especialmente o próprio Spooky, um exercício de paciência e repetição.
Além dos chefes, o jogo introduz novas mecânicas e aprimora as antigas. O “Super Butt Bounce”, um pulo carregado que atinge uma altura maior, adiciona uma nova camada vertical à exploração. O sistema de colecionáveis foi expandido com missões em cada fase que desbloqueiam trajes e outras recompensas, incentivando a exploração minuciosa. Há também um modo cooperativo para dois jogadores, onde um segundo jogador controla um “Pac-Drone” para ajudar, uma adição simpática, ideal para jogar com crianças. No entanto, nem todas as mudanças são perfeitas. A física do pulo parece um pouco mais “flutuante” que no original, e há um pequeno atraso no “Butt Bounce” que leva um tempo para se acostumar. São pequenos detalhes que veteranos do original certamente notarão, mas que não chegam a estragar a experiência aprimorada.
Um Desenho Animado Interativo
Visualmente, PAC-MAN WORLD 2 Re-PAC é um deleite. O jogo abraça uma estética de desenho animado CGI, com cores vibrantes, modelos de personagens expressivos e ambientes cheios de vida. Em uma tela 4K, a apresentação é nítida e limpa, superando em muito a qualidade visual do remake do primeiro jogo. Os mundos, que vão de florestas e montanhas de neve a vulcões e ilhas fantasma, são visualmente distintos e agradáveis, mesmo que seus temas sejam clichês do gênero. É um banho de loja completo que moderniza o jogo de 2002 sem perder sua identidade cartunesca.
O design de som acompanha essa filosofia. A trilha sonora, um dos pontos altos do original, foi recriada com fidelidade, mantendo as melodias cativantes que grudam na cabeça. Os efeitos sonoros clássicos do Pac-Man estão todos aqui, soando mais nítidos do que nunca. A já mencionada dublagem, apesar de suas idiossincrasias, adiciona uma camada de charme e personalidade que enriquece o mundo do jogo. É um pacote audiovisual coeso e extremamente bem polido.
Liso como Manteiga (Com uma Ressalva)
No meu PC, com um Ryzen 7 5700x, uma RTX 4060 e 32 GB de RAM, a experiência foi, na maior parte do tempo, impecável. O jogo manteve uma taxa de quadros altíssima e estável, proporcionando a fluidez que um jogo de plataforma exige. No entanto, é impossível não criticar a versão para PC por sua simplicidade. O menu de opções gráficas é extremamente básico, oferecendo pouquíssimas opções de personalização que são padrão em lançamentos modernos para a plataforma. Embora o jogo rode bem, a falta de opções avançadas passa a impressão de que o port para PC não foi uma prioridade máxima.
Como a Memória Deveria Ser
PAC-MAN WORLD 2 Re-PAC é a rara exceção à regra de que não se deve mexer em time que está ganhando. Ele pega um clássico cult, amado tanto por suas qualidades quanto por suas falhas, e ousa perguntar: “E se fosse melhor?”. O resultado é um remake que não apenas preserva, mas eleva o material original. Ele corrige frustrações antigas, aprofunda mecânicas, expande o conteúdo e embrulha tudo em um pacote audiovisual moderno e encantador.
Este jogo não vai revolucionar o gênero de plataforma 3D. Sua estrutura ainda é um produto de seu tempo, com uma linearidade que pode parecer simples para os padrões atuais. Mas dentro dessa simplicidade, ele encontra uma pureza e uma diversão que são atemporais. É mais do que um simples exercício de nostalgia; é a prova de que uma boa ideia, mesmo que executada de forma imperfeita há vinte anos, pode ser lapidada até se tornar um pequeno diamante. PAC-MAN WORLD 2 Re-PAC não é apenas como você se lembra do jogo; é como sua memória, com o benefício da seletividade e do carinho, gostaria que ele sempre tivesse sido. E, no fim das contas, não há elogio maior para um remake do que este.