Como alguém que sempre gostou de explorar jogos de diferentes estilos, eu me peguei curioso quando vi Hell is Us pela primeira vez. A proposta me chamou atenção pelos mistérios, pelas criaturas estranhas e pela atmosfera que parecia esconder algo além do óbvio. Estranhamente, algumas criaturas até me lembraram vilões de outras mídias, como em visto com o Miles Morales, o que reforçou minha curiosidade. Confesso que não estava com grandes expectativas, mas ao dedicar algumas horas, minha visão mudou completamente. O jogo acabou se tornando uma das maiores surpresas do ano, daqueles que chegam sem alarde, mas conseguem deixar uma marca muito mais profunda do que muitos títulos badalados.

O inferno dentro de nós

Hell is Us traz uma narrativa pesada, mas extremamente envolvente. Acompanhamos Remi, um ex-soldado que retorna a um país devastado por uma guerra civil, em busca de respostas sobre o desaparecimento dos pais. Logo, ele percebe que sua jornada não será apenas contra os horrores humanos, mas também contra criaturas misteriosas e anormais que surgem ao seu redor.

Hell is Us

A força da narrativa não está apenas na história principal, mas também nas histórias paralelas e nos personagens secundários. Muitas vezes, eu me pegava mais impactado pelos dramas dos NPCs do que pela missão central. O jogo consegue retratar a violência e o egoísmo humano de uma forma quase cruel, mostrando que muitas vezes o verdadeiro “inferno” não está nos monstros, mas em nós mesmos. Cada encontro com personagens diferentes carregava uma dose de reflexão.

Em vários momentos eu precisei pausar o jogo e digerir o que havia acabado de presenciar. Histórias de perda, de egoísmo, de poder e de violência se entrelaçam para expor as cicatrizes da humanidade. Foi um dos poucos jogos recentes que me fez refletir profundamente sobre como o ser humano é capaz de atos terríveis por conta de sentimentos banais, como inveja ou desejo de poder. A filosofia por trás do título “Hell is Us” fica clara: o verdadeiro inferno somos nós, que causamos nossas próprias desgraças.

Esse peso narrativo, no entanto, não me afastou. Pelo contrário: cada revelação aumentava minha vontade de seguir em frente, de entender como Remi lidaria com esse mundo brutal. E mesmo quando parecia doloroso avançar, eu me sentia motivado, curioso e conectado emocionalmente com a jornada.

Entre lâminas e monstros interiores

O combate é um dos pontos fortes de Hell is Us. O jogo oferece diferentes tipos de armas, como espadas, lanças, machados e versões maiores dessas armas. Cada uma traz seu próprio ritmo e mecânica, obrigando o jogador a experimentar até encontrar o estilo que mais se encaixa na sua forma de jogar. No meu caso, acabei me apegando à espada comum, que equilibra velocidade e força.

Hell is Us

Existe também um sistema de progressão que permite aprimorar as armas, tornando os combates mais estratégicos. A variedade de inimigos, curiosamente, é paradoxal: em alguns momentos parece limitada, mas ao mesmo tempo há nuances interessantes. Os inimigos mais poderosos estão ligados a conceitos como Ira, Luto e Êxtase, quase como manifestações físicas de sentimentos humanos negativos. Essa camada filosófica me impactou bastante, pois percebi que o combate não era apenas contra monstros, mas também contra representações simbólicas da nossa própria negatividade.

Hell is Us, nesse sentido, lembra jogos soulslike, principalmente pelo ritmo cadenciado e pelo peso das batalhas. Porém, a grande diferença é a forma como tudo se conecta à proposta narrativa, e também a forma que conforme damos dano nos inimigos, podemos recuperar a vida, que também está conectada a estamina.

Minimalismo e profundidade

Se o combate me surpreendeu, as mecânicas gerais me encantaram. O uso do drone, por exemplo, foi um detalhe genial. Esse companheiro tecnológico não é apenas uma ferramenta: ele pode atuar como lanterna, ajudar a distrair inimigos ou simplesmente acompanhar Remi de maneira quase simbiótica. Em várias ocasiões, ele literalmente salvou minha pele quando a pressão dos combates parecia insuportável.

Outro ponto marcante foi a ausência de HUD. O jogo é limpo, direto, e não entrega informações de bandeja. Não há setas, minimapas ou tutoriais insistentes. O jogador precisa observar o ambiente, ouvir sons, prestar atenção nas pistas visuais e até conversar com NPCs para entender o que está acontecendo e para onde deve ir. Essa decisão de design foi ousada, mas aumentou absurdamente a minha imersão. Eu me pegava realmente pensando: “O que eu faria se estivesse aqui?”.

Hell is Us

Além disso, o mapa aberto é dividido em áreas distintas, cada uma com identidade própria. Existem regiões secretas, puzzles bem construídos e gratificantes de resolver, além de segredos que me incentivaram a explorar cada centímetro do cenário. O ciclo temporal, que revive as criaturas após certo tempo, adiciona uma dose de tensão, mas em alguns momentos chegou a ser um pouco cansativo. Ainda assim, fez parte da proposta de manter o mundo sempre vivo e hostil.

Um espetáculo atmosférico

Visualmente, Hell is Us é impressionante. A direção artística consegue equilibrar beleza e brutalidade em igual medida. Cada cenário transmite uma identidade única, seja nas áreas devastadas pela guerra, seja nos locais tomados pelas criaturas misteriosas. Em vários momentos eu precisei parar apenas para contemplar a ambientação ou registrar uma screenshot.

Hell is Us

A trilha sonora é outro ponto alto. Ela se encaixa perfeitamente no tom filosófico e pesado da narrativa, intensificando tanto os combates quanto os momentos de exploração silenciosa. Em certos trechos, a música parecia quase conversar com a cena, ampliando ainda mais o impacto emocional.

Se eu tivesse que apontar uma crítica nesse aspecto, seria a falta de variedade nos cosméticos. A customização do personagem é limitada e não entrega tanto conteúdo quanto eu gostaria.

Testando os limites

Joguei Hell is Us no PC, em um setup com Ryzen 5 3600, RTX 4060 e 32 GB de RAM em dual channel (3600 MHz). O desempenho médio ficou em torno de 70 a 80 FPS, fluído e satisfatório na maior parte do tempo. No entanto, em áreas com muitos NPCs percebi quedas de desempenho ocasionais, provavelmente por limitação do processador.

Não encontrei bugs graves que atrapalhassem a experiência, mas tive crashes em sessões prolongadas, o que foi frustrante, pois me obrigava a repetir parte do progresso. Também percebi alguns problemas visuais relacionados a ghosting, que pareciam vir do DLSS. Mesmo desativando a tecnologia, o problema persistiu, o que me deixou com a impressão de ser algo relacionado ao próprio motor gráfico. Ainda assim, não foram problemas que impediram minha jornada.

O inferno somos nós

Hell is Us foi, sem dúvidas, uma das experiências mais marcantes que tive recentemente. Eu comecei sem grandes expectativas e terminei refletindo profundamente sobre a condição humana, sobre nossos erros, egoísmos e as consequências devastadoras que podemos causar.

A combinação de narrativa reflexiva, combate desafiador e mecânicas imersivas constrói um jogo que vai muito além de simples entretenimento. Ele propõe uma filosofia, um espelho incômodo que nos obriga a encarar nossos próprios “demônios”.

Ao final, percebi que o título do jogo não poderia ser mais adequado: o inferno não é um lugar distante, cheio de criaturas sobrenaturais. O inferno somos nós, em nossas escolhas, em nossas ações, em nossa incapacidade de controlar a negatividade que carregamos. E é exatamente por isso que Hell is Us me marcou tanto, não apenas como um jogo, mas como uma experiência que vai ficar comigo por muito tempo.

Nota
Geral
9.0
review-hell-is-us-pcHell is Us é um daqueles jogos que chegam de forma discreta, mas acabam deixando cicatrizes profundas. Um título que não se limita a divertir, mas que provoca reflexão e mostra que o verdadeiro terror está dentro de nós mesmos.