Existe um peso em vestir a toga. A série Anno sempre foi sobre a doce agonia da logística, um balé de oferta e demanda que transforma grãos em pão e minério de ferro em vigas de aço. É um vício para um tipo muito específico de pessoa, o tipo que encontra beleza pura numa planilha bem executada.

Mas Anno 117: Pax Romana não quer ser apenas uma planilha. Ele quer ser destino.

A Ubisoft nos entrega as chaves do Império Romano no seu auge absoluto, o ano 117 d.C. Não somos meros gerentes de fábrica; somos Governadores. A promessa não é apenas construir uma cidade, mas moldar a própria cultura de duas províncias radicalmente diferentes. É a ambição mais ousada da franquia: nos dar o mármore polido de Roma e perguntar o que faremos com ele.

Passei dezenas de horas com essa promessa. E o que descobri é que, para cada Coliseu de tirar o fôlego que o jogo nos permite construir, há um monte de entulho de obra, problemas técnicos e ideias pela metade nos esperando no porão.

Veni, Vidi… Faltou?

A premissa narrativa é, sem dúvida, a melhor da série. Começamos no Lácio, o coração ensolarado e civilizado do império. É o Anno clássico: aquedutos, vinhedos, tudo em perfeita ordem romana. É lindo, mas é confortável.

Então, a reviravolta: por um capricho do novo Imperador, somos exilados. Nosso novo posto é Albion, a versão do jogo para a Bretanha Celta. E Albion é o oposto do Lácio. É uma terra de pântanos, névoa, misticismo e uma líder local, Voada, que (compreensivelmente) odeia Roma.

O jogo nos coloca diante de sua grande escolha moral e mecânica: vamos forçar a romanização, drenando os pântanos e construindo templos para Júpiter? Ou vamos abraçar a cultura local, satisfazendo as necessidades celtas e trabalhando com a paisagem, e não contra ela?

Eu estava pronta para um drama político denso. A realidade, no entanto, é morna. A escolha de “romanizar” acaba sendo mais estética do que funcional; as necessidades mudam, mas a lógica do jogo não. A diplomacia com Voada é binária, resolvida com uma ou duas missões. E o pior de tudo, a grande crítica que ecoa pela comunidade e que senti na pele: a campanha simplesmente para. Ela não termina, ela evapora.

O que é vendido como uma história épica de exílio e redenção é, na verdade, o tutorial mais caro e glorificado já feito. É um prólogo magnífico que me deixou olhando para os créditos (metafóricos) e perguntando: “É só isso?”.

A Doce Agonia do Ábaco

Felizmente, a história em Anno é apenas o aperitivo. O prato principal é o gameplay, e aqui, o jogo brilha com uma luz ofuscante.

core loop é tão viciante quanto heroína digital. Você constrói casas. Seus cidadãos (agora Liberti) precisam de comida. Você constrói uma fazenda. Eles comem e evoluem para Plebeus. Agora, eles precisam de comida e de túnicas. Você constrói a cadeia de produção de túnicas. Eles evoluem para Equites. Agora, eles querem comida, túnicas, cerâmica e acesso a um templo. E assim por diante, numa espiral hipnótica que pode engolir doze horas da sua vida num piscar de olhos.

A maior e melhor mudança em Anno 117 é a flexibilidade. Em Anno 1800, se seus artesãos exigissem salsichas e você não tivesse porcos, tudo parava. Aqui, as necessidades são categorias. Meus Mercators precisam da barra “Comida de Luxo” preenchida. Eu posso fazer isso com salsichas, sim. Mas também posso fazer com pão ou enguias.

Isso é revolucionário. Pela primeira vez, eu não me senti escrava da cadeia de produção. Eu podia me especializar. Decidi que minha ilha principal seria a capital mundial das enguias e importaria o resto. O jogo me permitiu fazer isso. Isso torna a experiência infinitamente mais acessível e criativa, sem sacrificar um pingo da profundidade.

O Diabo Veste Sândália

Se o gameplay é o “o quê”, as mecânicas são o “como”. E o “como” é um quebra-cabeça diabólico de gerenciamento de espaço. O verdadeiro jogo não é construir uma cidade; é gerenciar um diagrama de Venn.

Quase todo edifício não residencial projeta um raio de influência, positivo ou negativo. Minha fábrica de salsichas aumenta a renda dos prédios próximos, mas também aumenta drasticamente o risco de incêndio. Meu Fanum (templo) aumenta a fé e acelera a pesquisa, mas só se estiver perto de casas. Passei horas que não me orgulho de admitir reorganizando meu distrito industrial, milimetricamente, para espremer mais 2% de eficiência, tentando maximizar os bônus enquanto mitigava os negativos. É a perfeição logística.

Onde o jogo tropeça é nas suas novas grandes ideias. A árvore de pesquisa é um sucesso; é clara, linear e dá um ótimo senso de progressão. Desbloquear o Coliseu é um evento. O novo sistema de Religião, no entanto, é uma oportunidade perdida. Você escolhe uma divindade (Netuno para navios, Ceres para grãos) e ganha bônus passivos. É tão passivo, tão sem impacto, que eu literalmente esquecia qual deus havia escolhido. Não muda em nada como eu planejo minha cidade.

O Coliseu e o Ruído

Vamos ser claros: Anno 117: Pax Romana é um dos jogos mais estonteantemente bonitos que eu já joguei. Ver o sol se pôr sobre os telhados de terracota do Lácio ou a névoa se agarrar aos pântanos de Albion é uma experiência visual de cair o queixo. As cidades são vibrantes, cheias de vida, e a trilha sonora é imperial, grandiosa e exatamente o que deveria ser.

Para um jogo que vende sua “visão artística” e sua “equipe de artistas” (a maior da franquia, segundo eles), a descoberta de que o algoritmo foi usado para prototipagem quebra a ilusão. É o ruído no meio da sinfonia. É descobrir que o mármore deslumbrante, em alguns cantos, é gesso barato. Uma vez que você sabe, você começa a procurar. Você vê uma textura estranha num cidadão e se pergunta: isso é arte ou é dado? É uma mancha feia naquilo que deveria ser uma obra de arte imaculada.

O Preço da Gula (A Provação da RTX 4060)

Agora, a parte dolorosa. Eu joguei Anno 117 exatamente na máquina especificada: um Ryzen 7 5700X, uma RTX 4060 e 32 GB de RAM. É uma configuração robusta, mais do que capaz de rodar qualquer jogo moderno com dignidade.

A otimização de Anno 117 é, para ser educada, atroz.

Não me entenda mal: em 1080p, com as configurações no “Alto”, o jogo começa uma beleza. Numa ilha vazia, eu cravava 70-80 quadros por segundo. Mas Anno não é um jogo de ilhas vazias. Anno é um jogo de cidades com 50.000 habitantes, onde cada um deles é um ponto de dados que seu processador precisa calcular.

À medida que minha metrópole crescia, meus frames morriam. A transição para os Equites foi o primeiro baque. Quando minhas rotas comerciais e minha indústria pesada estavam a todo vapor, eu via quedas frequentes para 40, e às vezes 30 quadros. Em 1440p, a situação é ainda pior, tornando o DLSS obrigatório, não opcional. O Ryzen 5700X parecia aguentar o tranco da simulação, mas a RTX 4060 estava pedindo clemência para renderizar tudo.

O Império Inacabado

No final, Anno 117: Pax Romana é como o próprio Coliseu no ano 80 d.C. A arquitetura é de tirar o fôlego, uma maravilha da engenharia de gameplay e do design visual. Mas os andaimes ainda estão por toda parte, os porões estão cheios de problemas de otimização e a cerimônia de abertura (a campanha) terminou abruptamente pela metade.

A Ubisoft tem um histórico de ouro. Anno 1800, que hoje é uma obra-prima absoluta, foi lançado em estado semelhante e redimido por anos de DLCs e polimento. Tenho poucas dúvidas de que, em 2027, Anno 117 será um dos melhores construtores de cidade de todos os tempos.

Mas eu não estou analisando o jogo de 2027. Estou analisando o jogo que instalei hoje.

E o jogo de hoje é uma fundação magnífica à espera de um jogo. É um “hobby” para os pacientes, mas uma armadilha para os desavisados. Comprar Anno 117: Pax Romana agora não é comprar um produto acabado; é comprar um título de investimento. É um ato de fé. E fé, como meus cidadãos romanos famintos me ensinaram, é um recurso que se esgota muito rapidamente quando as salsichas não são entregues.

Nota
Geral
8
review-anno-117-pax-romana-pcAnno 117: Pax Romana é um imperador vestindo trapos de luxo. A base mecânica é genial e o visual é de cair o queixo, mas a experiência técnica na versão atual é inaceitável. Com uma otimização que faz uma RTX 4060 chorar, bugs que quebram o progresso e uma campanha que termina abruptamente como se tivessem demitido o roteirista no meio da frase, ele é, hoje, uma promessa inacabada. É um jogo que será uma obra-prima em 2026; agora, é apenas um canteiro de obras glorificado onde você paga para trabalhar. Espere os patches ou prepare a paciência.