Quando, em 2018, a Telltale Games anunciou o fechamento das suas operações, certamente ela deixou muita gente insatisfeita. Alguns jogos tiveram seus desenvolvimentos cancelados, por exemplo. Jogos cujas marcas eram imensas: como as sequências dos jogos de Game of Thrones e de Wolf Among Us, bem como a adaptação pela Telltale de Stranger Things.

O staff de 250 funcionários que a empresa bancava teve que ser drasticamente reduzido para apenas 25 funcionários, cujos trabalhos eram o de finalizar a temporada final do game de The Walking Dead, além de ações meramente burocráticos, como o suporte às derradeiras obrigações contratuais ainda pendentes antes do fechamento da empresa.

 

Assim, entre 2004 e 2018, ano de início e encerramento das suas operações, a TTG (as siglas da logo da Telltale Games) não obteve sucesso com tudo que lançou, como qualquer outra empresa ou marca. Contudo, quando ela conseguiu obter sucesso, ela obteve bastante. Um destes jogos de grande impacto lançados pela TTG foi Tales From the Borderlands, de 2015, spin-off em formato de storytelling da consagrada marca da série Borderlands.

No primeiro jogo, estamos encarregados do controle e das decisões – aspecto fundamental do jogo e dos jogos da TTG – de Rhys Strongfork, personagem que primeiramente apareceu no jogo original, então em Borderlands 3 e, por fim, neste novo game: New Tales From the Borderlands.

E se, no jogo original, Rhys sonhava em ser uma espécie de novo Handsome Jack (Jack Bonitão), aqui, no mais recente lançamento da franquia, apesar de ele aparecer com um pouco mais de recorrência no episódio 1 de New Tales, e eventualmente dê o ar da graça no decorrer do jogo, ele é meramente um NPC.

Para a jornada que será encarada em New Tales From the Borderlands, teremos à disposição três personagens controláveis. Só que antes de entrar nos pormenores da narrativa do jogo e das desventuras dos personagens, duas coisas: a TellTale Games foi ressuscitada pela LCG Entertainment, que restartou o desenvolvimento da continuação de uma das mais esperadas obras da TTG: Wolf Among Us.

A segunda coisa é que a TTG não esteve envolvida na produção de New Tales From the Borderlands. E se este último ponto quesito, na qualidade final de NTFtB, foi algo bom ou ruim, você, leitor (a), descobrirá ao longo review.

Um trio de personagens que deveria ser um quinteto

Antes de situar o nosso curioso trio de protagonistas, aqui lanço um brevíssimo contexto histórico: se o primeiro game se passa após os acontecimentos de Borderlands 2, este novo se desenrolará após Borderlands 3.

Em New Tales From the Borderlands, três personagens serão controlados. Em essência, os três são ótimos personagens. O problema é o que o desenrolar da narrativa faz com eles. Vamos aos três: Anuradha Dhar, ou Anu, uma cientista bastante impaciente, mas com ótimas intenções sociais; Octavio Wallace, um malandro e incompreendido empreendedor; e Fran Miscowicz, a dona de uma loja de iogurte e dotada de uma raiva patológica.

Se formos dissecar ainda mais os três personagens, veremos que a Gearbox – proprietária da marca Borderlands e agora encarregada pelo jogo mediante os acontecimentos anteriores da TTG – presentou os jogadores com personagens fora dos padrões: uma mulher negra e não-americana/inglesa (Anu), um homem negro e que veio das ruas (Octavio) e uma cadeirante obesa e da classe trabalhadora (Fran).

Não há como deixar passar tais escolhas. Vale destacar ainda que os três personagens são dotados de ao menos um aparato tecnológico. Se Anu possui os seus tecnóculos, Octavio porta o echodex e Fran, o padrinhobô. Os aparatos possuem certas funcionalidades que, ou trazem curiosidades sobre NPCs e coisas, ou propiciam o avanço no jogo.

As características sociais e físicas dos três personagens, todavia, não são usadas em nenhum momento como muletas narrativas. As características e as condições físicas, culturais e sociais de Anu, Octavio e Fran estão lá, mas o jogo não as usa como apoio para nada, permitindo com que as condições do trio não reforcem estereótipos, mas, sim, os combatam pela naturalidade com que estão no jogo. Ponto para Gearbox.

Porém, Gearbox Software, devolva-me já o ponto que acabei de te dar. Não faz sentido o jogo possuir dois personagens que como TIMM-E e LOU13 e não os tornar em personagens jogáveis, e sim relegá-los à condição de NPCs. TIMM-E, o Claptrap do jogo, pelo espaço geográfico/quântico que ele ocupa na narrativa, poderia oferecer uma série de mini-aventuras bastante divertidas, tresloucadas e inventivas.

Já LOU13, o robô-assassino, merecia mais, muito mais. Ele é, mesmo com menos tempo de tela, o melhor personagem de New Tales From the Borderlands. Uma DLC com cairia bem. Ao tipo de personagem que LOU13 é e representa, o mais interessante seria dar-lhe ainda mais espaço. Se não no jogo, em uma DLC.

O (des)balanceamento narrativo

Ainda assim, percebam a trágica ironia a seguir. Com três personagens jogáveis, era de se esperar que a trama não travasse quanto ao avançar da história. É uma pena, pois, constatar que não é o que acontece. Insiro aqui uma hipótese: New Tales From the Borderlands não teve lançamentos episódios de cada um dos seus cinco capítulos. O jogo veio pronto do início ao fim para ser degustado.

Diferente dele, sabemos que os jogos sob o comando da TTG ficaram conhecidos por duas coisas, a densidade das suas narrativas, com escolhas morais impactantes tendo que ser realizadas ao fim dos seus capítulos e, claro, o lançamento em partes dos capítulos que compunham o todo narrativo do game.

Com isso, o fato de New Tales não ser episódico como o primeiro game – ou como quase 100% dos jogos da TTG – talvez tenha prejudicado o produto final, visto que sem o espaço para o recebimento de feedbacks dos jogadores entre um episódio e outro, o jogo foi lançado com um desbalanceamento narrativo, ora acelerando sua história, ora desacelerando, ora caminhando para os lados, sem se preocupar em avançar com a história.

Uma pena, já que, meses antes, a Gearbox Software havia lançado o excelente Tiny Tina’s Wonderlands, também um jogo fora da linha principal, que resenhei e torci para que ele fosse o primeiro jogo de uma nova linha em paralelo à série principal, Borderlands.

New Tales segue os padrões dos jogos da sua série mãe e dos spin-offs e apresenta um ótimo e carismático elenco de dublagem, com destaque para o androide LOU13, que merecia não só aparecer mais, como poderia ser um quarto protagonista, ou ainda substituir algum dos 3 principais.

À dublagem, junte-se ainda o trabalho de localização para o português brasileiro que, como os outros jogos da franquia, traz bem vindas referências ao contexto memético brasileiro, digamos assim. Em muitos momentos, o jogo se encarrega de melhorar o que poderia ser encarado como bom por adaptar certas piadas para um tom mais abrasileirado.

Outro fator importante, principalmente para quem não chegou a jogar o game original é que NTFtB não se conecta diretamente com Tales From the Borderlands. Dessa forma, as escolhas feitas pelo jogador na obra anterior não trarão impactos narrativos e nem de gameplay à continuação, está podendo ser apreciada sem o prévio conhecimento do game que veio antes.

Ainda com relação às escolhas que são feitas pelo jogador, de tempos em tempos, surgem notificações no canto superior da tela para informar que certas decisões podem ter agradado ou desagradado algum dos outros personagens, ou que certos vínculos estão mais perto ou mais distantes de serem criados. Ao fim de cada capítulo, temos acesso às decisões de outros jogadores e ficamos sabendo a porcentagem de quantos jogadores optaram ou não pelas mesmas decisões.

O retorno e os problemas dos quick time events

Algo que retorna são os Quick Time Events (QTEs), mecânica em que um ou mais botões devem ser pressionados em um curto espaço de tempo para executar algum movimento de ação do personagem. Os QTEs de New Tales são, em geral, pouco ou nada punitivos. Quando um botão deixa de ser apertado por algum motivo, a opção que acaba sendo escolhida aleatoriamente não oferece um grande peso à narrativa. No máximo, quando um botão indevido é clicado, a tela de game over chega. Porém, isso acontece em casos raros.

Um ligeiro incremento à mecânica dos QTEs são a forma como eles são utilizados nas Batalha de Arcadeiros. Nelas, um minijogo que é a perfeita mistura entre Street Fighter e Mortal Kombat é iniciado pelo jogador e um constante NPC para que action figures batalhem entre si pelo prêmio de se obter a action figure um do outro.

De início, nas duas primeiras batalhas, há certa diversão. No entanto, é um minijogo que não traz variedade. Sempre devemos apertar o mesmo único botão de ataque e os mesmos três botões de esquiva: para a esquerda, direita ou para baixo. Tendo vencido as duas primeiras batalhas, continuei participando do restante das Batalhas de Arcadeiros unicamente para avançar no game, visto que algumas destas batalhas acontecem contra a vontade do jogador.

Quando a luta está perto do fim, surge a oportunidade de se dar um fatality no NPC a partir do aperto de uma série de botões. É o único momento diversificado, de resto, as batalhas são uma só coisa do início ao fim do game.

Aspectos positivos e negativos da parte técnica

Na parte técnica, o jogo brilha. Os gráficos, até mesmo pela distância temporal entre este e o primeiro jogo, estão elevados. Como é um jogo mais fechado, ou seja, ao não ser sandbox (mundo aberto) como praticamente todos os outros games da franquia, New Tales se beneficia e consegue trabalhar e renderizar muito bem cada objeto disposto pelo cenário, contando ainda com uma direção de arte bastante variada e caprichada, dando vida e frescor aos ambientes (como a iogurteria de Fran ou o laboratório de Anu).

Cada feição, expressão ou detalhamento dos rostos dos personagens também são bons, aliados ainda com os gráficos cell-shading embelezando cada diálogo com câmera mais próxima das faces dos personagens ou ainda os horizontes dos cenários.

A trilha sonora não deixa por menos e também traz volume (no pun intended) ao jogo. A trilha, desde o menu inicial, se sobressai. Em alguns momentos, ela se sobressaiu à história e ao gameplay, apenas para se dar uma ligeira ideia do quão marcante ela é.

Outros dois aspectos da franquia que aqui retornam são a parte cosmética e o lootbox, este último aspecto sendo uma marca profunda da franquia junto com a comicidade dos diálogos e os gráficos em cell-shading. Com relação às trocas de figurinos, New Tales valoriza bem tal quesito.

Como é um jogo em terceira pessoa, diferente dos jogos da série principal, vale a pena realizar a troca de roupas e adereços dos personagens, já que será possível visualizar o personagem, simplesmente. Já em relação ao lootbox, a única serventia é para se coletar dinheiro para, justamente, realizar a aquisição das peças cosméticas. Uma função depende da outra, dessa forma, empobrecendo uma para valorizar a outra. O lootbox poderia ter outras serventias ou ao menos apresentar uma variação no que era coletado nas caixas. Uma pena.

Ainda com relação ao escopo técnico do jogo, uma das constantes dos jogos da série retornam aqui, que são os problemas nos carregamentos das texturas, principalmente quando se tem uma nova tela sendo mostrada pela primeira vez. Na série principal, talvez pela repetição dos assets pelo cenário, menos problemas com os carregamentos são percebidos. Aqui, como em boa parte do tempo a câmera não é controlada pelo jogador, a fotografia do game acaba entregando de bandeja certos problemas gráficos e demora com os carregamentos.

Um dos mais problemáticos e chatos aspectos de New Tales encontra-se justamente, também, ligado tanto ao lootbox como na parte interativa com portas, fechaduras, máquinas, personagens e botões. Mesmo sendo algo básico da movimentação e interação do personagem que se controla, NTFtB apresenta sérias dificuldades com a forma como interagimos com algo ou alguém dentro do jogo.

Quase sempre, ao se ir em direção ao objeto ou NPC com o qual se pode interagir, será preciso se dar meia volta, um passo para trás ou se afastar para tentar se interagir novamente com o item ou personagem. O jogo torna difícil algo básico, visto que interagir com algo ou alguém, em um jogo quase que totalmente narrativo, deveria ser algo menos custoso e difícil, já que é parte das poucas mecânicas controláveis que há.

As referidas referências referenciadas do jogo

Encerrando nossa caminhada até aqui, permitam-me extrapolar para além do game, ainda que seja para se falar dele.

É tradicional, na franquia Borderlands, que existam referências à cultura pop aos montes em cada game. New Tales não é diferente e transforma o que seriam apenas referências, em contextos narrativos principais. O charme de tudo isso, para ficar apenas em um determinado momento, é quando o jogo consegue unir, com eficácia, três distintas obras do meio cultural em uma só cena: Star Wars Episódio IV, Exterminador do Futuro 2 e Homem-Formiga.

Outras referências acontecem, como a já citada adoção de tons meméticos e da nossa brasilidade em algumas falas e diálogos, além das batalhas à la Mortal Kombat e Street Fighter. As melhores e mais engraçadas referências ficam por conta de homenagens aos próprios jogos, mas não da franquia Borderlands.

Em um determinado momento, há uma batalha – infelizmente bastante guiada e menos interativa do que poderia e deveria ser – que é uma direta referência às batalhas por turnos de outra franquia ainda mais famosa: Final Fantasy. Já em outro instante, há uma cena inteiramente se passada como se estivéssemos jogando… Metal Gear Solid. E nada mais digo, amigas e amigos.

Haverá um another New Tales from the Borderlands?

Ao não ter a Telltale guiando os passos narrativos do jogo, a Gearbox se aventurou em um terreno novo para ela. Este segundo jogo da empresa lançado em 2022 não se saiu tão bem quanto Tiny Tina´s Wonderlands, mas, não deixou de ser uma aposta corajosa da empresa em assumir um estilo de gameplay que não era a sua praia.

Entre erros e acertos, a balança dá indícios que um terceiro game poderia melhorar muitas das falhas deste atual. A minha torcida, no entanto, é para que a que Tiny Tina e Borderlands 4 venham primeiro. Só então, quem sabe, um Another New Tales From the Borderlands.

Nota
Geral
6.0
new-tales-from-the-borderlandsNew Tales From the Borderlands possui uma potencialidade que não chega a ser devidamente explorada e aprofundada em praticamente nenhum dos seus principais aspectos. Algumas das decisões tomadas pelo jogo (e não pelo jogador), talvez afastem bem mais do que aproximem a massa de jogadores, como extirpar elementos/personagens que, por si só, melhorariam muitas das camadas narrativas pretendidas ou apenas superficialmente arranhadas pelo jogo. A Gearbox Software possui, atualmente, três direções narrativas distintas para a franquia Borderlands: a saga original, Tiny Tina´s Wonderlands e esta série. Ficam as lições para um eventual novo jogo. Seja lá qual venha a ser ele.