A cada lançamento de um jogo de super-heróis, existe sempre uma alta expectativa de que aquele jogo possa pavimentar o padrão esperado para outros jogos similares, mesmo que de distribuidoras e desenvolvedoras diferentes.

Em geral, quando falamos de jogos capitaneados por algum herói, temos longevos e grandes sucessos como os jogos do Batman e do Homem-Aranha, por exemplo. Fora de tudo que envolve estes dois heróis, jogos estrelados por equipes de heróis conseguem se dar bem geralmente quando apelam mais para o lado cômico, como é o caso dos jogos de equipes da série Lego. Ou ainda, para falar de um game de equipe de herói que saiu bem recentemente, e que usa e abusa dos contextos cômicos, mas não é um Lego da vida, temos o jogo dos Guardiões da Galáxia, um belo exemplo de como se unir narrativa e história em prol da diversão de quem joga.

No caso de Marvel’s Midnight Suns, lançado no início de dezembro, e que foi distribuído pela 2K e produzido pelo estúdio Firaxis (da franquia XCom), o que se pode dizer é que há um desbalanceamento bastante prejudicial ao ritmo do jogo que é o que mais prejudica Marvel’s Midnight Suns de ser um jogo atrativo, bom ou minimamente aceitável.

Nele, a Firaxis apresenta um incômodo bastante preocupante diante do universo que está de posse. Ao possuir o Universo Marvel para brincar, a Firaxis resolveu investir muito mais pesadamente em como contar uma densa história, deixando de lado aquilo que ela faz de melhor, para brincar de Kevin Feige.

Com essa decisão de esticar algo que deveria mover a história a partir de algo que normalmente seria apenas pano de fundo, mas que aqui torna-se parte inerente (e insistente) da jogabilidade, o jogo se afunda miseravelmente em uma espiral de marasmo e inacabáveis repetições que vão do início ao fim das suas cerca de 60 horas de gameplay, que podem chegar até próximo das cem horas a depender da vontade do jogador em explorar um pouco mais do game.

Diante disso, em uma matemática simples, em termos de jogo/batalha, controlamos as(os) personagens apenas em cerca de 25% ou 30% do tempo, nos dedicando às repetições cruéis que somos obrigados a passar pelo restante do tempo.

Apesar de tudo, a história que do jogo é, de fato, interessante. Só que a soma das qualidades é atravessada pela multiplicação dos seus defeitos. Cada diálogo (o jogo é legendado em português) entre personagens, por mais curto ou longo que seja, vai revelando alguns problemas do jogo. Seja a qualidade do design de expressões dos heróis e heroínas, seja a precariedade da maioria das atuações.

Até mesmo a sincronização labial (lip sync), na experiência que tive com o jogo, em uma configuração acima da exigida pelo jogo para se rodar bem, apresentou problemas. Com exceção de Hunter, a protagonista de Marvel’s Midnight Suns, além de mais dois ou três personagens, a maioria dos dubladores originais parece ter tido poucas chances na carreira, ofertando um trabalho que está muito distante da qualidade da obra e da história que se quer contar.

Para completar, o fato do excesso se passar em um só local por todo o game prejudica ainda mais a variação de geografia de cenários e o caráter dinâmico que o jogo poderia ter. Afinal, com tantos personagens, por que não deixar o cenário único apenas para o terço final da obra? Ou ao menos para a derradeira metade final.

O cenário único, apesar de ser uma bela ilha paradisíaca, não parece ter vida e se conectar com os personagens, já que na extensa maioria do tempo, para além do enclausuramento “forçado”, só atuamos em cerca de 10% daquele espaço. Com o restante sendo explorável apenas de tempos em tempos.

Os Midnights Suns estão em busca do seu lugar ao sol

Em linhas gerais, o jogo se divide entre dois grupos jogáveis: os Midnight Suns (Blade, Nico Minoru, Robbie Reyes/Motorista Fantasma, Ilyana/Magia), subgrupo menos conhecido do UM, e os Vingadores, principal grupo de heróis da Marvel, que no jogo é formado por basicamente os mesmos heróis que vimos tantas vezes na tela do cinema ou nos serviços de streaming.

Toda a ação se dá sempre a partir de diálogos que são mantidos antes com os membros de cada equipe. Na extensa maioria das vezes, não há como avançar para uma missão que seja jogável sem que antes não tenhamos cumprido certos requisitos exigidos, que variam sempre entre duas coisas: jogar uma missão geral, ou seja, que não afeta a história, ou dialogar com algum outro personagem sobre alguma coisa.

Nessa dinâmica de dialogar, também há um outro ponto que impacta diretamente certos aspectos da jogabilidade: o relacionamento que mantemos e vamos estabelecendo com os membros dos dois grupos e com outras pessoas agregadas à Abadia, o local em que os diálogos e relações acontecem proeminentemente.

Como interagimos com todos os outros personagens ao longo do jogo, vamos melhorando, piorando ou mantendo um vínculo com elas e eles. Quão melhor for o vínculo, maiores serão as chances de ir se liberando certos ataques, magias, itens ou facilitando a execução de certas jogadas que podem definir uma partida.

Essa interação tanto acontece por meio dos diálogos possibilitados de tempos em tempos, principalmente antes ou após cada fase, como podem ser “provocados” a partir do Superlink, uma espécie de microblog unicamente destinado aos personagens e que existe dentro daquele contexto fantasioso.

O Superlink é basicamente o Twitter, visto que tanto as mensagens comuns aparecem no feed (linha do tempo principal e pública), como há também as mensagens diretas, tal como o Twitter, em que Hunter recebe mensagens mais privadas, que geralmente a convidam para realizar algo e oportunizam a chance de aprofundarmos ainda mais a relação com herói A ou B. Os encontros ainda oferecem a oportunidade de, em geral, presentearmos a(o) parceiro(o) de conversa com algumas das centenas de presentes que podem ser diariamente coletados pelo mapa principal, para acelerar o vínculo entre Hunter e com quem ela saiu.

Para além do processo de relacionamento de Hunter com o restante dos heróis, há também a própria evolução da personagem, que pode rumar para duas direções distintas: o lado da luz e o lado sombrio. Como é de se imaginar, há vantagens em qualquer rumo que tomemos e há como, diante das dezenas de horas de jogo, se sair de um espectro para outro, para se tentar descobrir qual lado poderá ser melhor para o seu gameplay.

E a jogabilidade, hein?!

Carta de Ataque, de Talentos e Heroica. Eis a parte realmente divertida do jogo. Cada batalha propicia um balé de movimentos mesclado a um xadrez de escolhas que vão do ataque (carta de ataque), à bonificação (carta de talentos) ao superpoder (carta heroica). Há subfunções inerentes à cada carta, mas, em geral, elas funcionam como descritas acima.

Antes de cada batalha, temos a Mesa Espelhada para que possamos escolher as missões, que variam entre dois tipos: missão de história, sempre uma por dia de jogo, e missões gerais, que são múltiplas e variam de dificuldade (fácil, normal e difícil). Cada dia de jogo passa por dois ciclos (matutino e noturno) e as batalhas sempre realizadas nas manhãs, com as noites voltadas aos momentos de lazer, conversas e outras pequenas coisas. Ao fim da noite, dorme-se e recomeça-se o processo novamente. Em meu gameplay, passei por mais de 40 dias de jogo. Ou seja, tive mais de 80 ciclos entre manhã e noite.

Voltemos ao xadrez das mecânicas de batalha, o ponto certamente mais alto de Marvel’s Midnight Suns. São momentos divertidos e que nos tragam para o jogo. O raciocínio do jogador sobre o que fazer vai se aprofundando a cada partida e antes de qualquer mínima jogada, visto que os desafios são bastante elevados e exigem que o jogador seja a cabeça dos músculos dos personagens.

Muitas vezes, MS requer bastante estratégia: muitas vezes estamos pensando em Hunter, muitas vezes estamos pensando no personagem ferido, muitas vezes estamos pensando no trio com o qual se joga em cada partida.

Com o passar do tempo, estamos também analisando e observando as características dos inimigos para que saibamos a melhor forma de derrotar cada um sem desperdiçar jogadas, por exemplo. Ou ainda ficamos a cuidadosamente observar toda a geografia do cenário/mesa de batalha, assim como os objetos que estão à disposição do nosso olhar desde o momento inicial em que entramos no conflito, para saber o que poderemos usar contra os inimigos, ou favoravelmente aos heróis.

Nota
Geral
5.0
marvels-midnight-sunsMarvel's Midnight Suns nos ensina que a fofoca reina no Universo Marvel. A lore fica de lado por muitas vezes para que nos percamos em trivialidades incessantes e repetitivas dos heróis e heroínas. Por sorte, as batalhas são o que há de melhor no jogo, como deveriam ser. Apesar de serem poucas, elas tornam o jogo em algo prazeroso em termos de como a sua dificuldade não é unicamente uma barreira, porém, um estímulo à nossa melhoria. Quando Marvel's Midnight Suns funciona, ele funciona verdadeiramente.