Apesar de estarem contidos em um mesmo pacote, a duologia de jogos ‘Klonoa – Phantasie Reverie Series’ não poderia, de certa forma, ser mais distinta.

Para o bem ou para o mal, os jogos que estão disponíveis no pacote de remasterização de ambos aparentam entregar tudo que já era muito bom e também o que havia de problemático em ‘Klonoa: Door to Phantomile’ e em sua continuação mais que direta, ‘Klonoa 2: Lunatea’s Veil’.

Nos anos 90, as big companies da indústria de jogos cavavam espaços para que cada uma tivesse a sua própria mina de ouro a partir de um mascote-símbolo daquela marca. Dessa forma, a desenvolvedora Namco, aquela mesma de Pac-Man, resolveu reagir e tomou a decisão de unicamente parar de assistir o bigodudo da Nintendo ganhando o mundo, a Sega colecionando anéis com o seu veloz ouriço Sonic (há quem diga que ele é um porco-espinho) e a Sony correndo por fora (ou rodopiando em caixotes) com o seu Crash Bandicoot.

Com isso, a Namco, uma outrora gigante, e que não queria ficar parar trás enquanto um encanador de suspensório, um ouriço azul e um marsupial laranja davam as cartas dos jogos de aventura na década de 90 do século passado, resolveu também tomar a dianteira e lançou a sua própria obra estrelada por um ser antropomórfico: Klonoa.

Assim, o designer japonês Hideo Yoshizawa idealizou a história de uma espécie de “gatoelho” (gato + coelho) com visual bem estilizado: o boné azul poderia nos lembrar do ouriço da Sega e a calça e coleira vermelhas nos remetem ao encanador da Nintendo. A cereja do bolo, ou do topo, fica por conta do Pac-Man encrostado no boné de Klonoa, algo que sequer pode ser considerado uma sutil autorreferência, pois é, justamente, a marca dentro da marca, de forma bastante direta e literal.

Até o lançamento do pacote com os dois primeiros jogos que aqui estamos discutindo, a franquia de Klonoa já tinha tido quase dez jogos ao longo dos últimos 25 anos de sua existência. Ainda que de forma dividida e espaçada no tempo fique parecendo que tivemos cerca um jogo a cada dois e ano e meio, a realidade não é bem essa, já que o último jogo da saga havia saído em 2009, para Wii.

E por não ter vendido tanto, sequer chegando à casa de um milhão de cópias vendidas, Klonoa foi adormecido e o fracasso em vendas o pôs na geladeira por metade do seu tempo total de vida. Até que, no início de julho de 2022, remasterizado, em 4K e 60 FPS, os saudosistas poderão retornar aos 2 jogos e à franquia. Quem nunca havia jogado sob a pele de Klonoa, agora terá dois jogos essenciais para iniciar suas aventuras.

O enredo de Klonoa, apesar de básico e batido, possui muitas nuances. Ou seja, se o velho salvar o mundo é algo clichê, e é, ambos os jogos desta análise são dotados de camadas que vamos conhecendo a cada fase e mundo que são explorados e vencidos. Um grande revés, nesse sentido, é que os jogos não venham localizados para o português brasileiro, afastando todo o público que desconheça outra língua estrangeira.

A localização facilitaria muito, já que para uma aventura que ousa se colocar dentro do panteão de outros jogos similares como Crash e Sonic, há diversos diálogos, tutoriais recorrentes e explicações.

Com relação especificamente aos tutoriais das fases, eles apresentam uma peculiaridade demasiadamente chata: se na prática tutoriais servem para orientar, dar dicas e minimamente ajudar, nos dois jogos, eles mais atrapalham do que ajudam. A cada inimigo, desafio de mundo e ainda em outros momentos, surgem na tela as ajudas que não são solicitadas e, em praticamente todos os casos, são até mais de um tutorial por fase, quando surgem.

No geral, esses tutoriais em excesso apenas interferem no fator-surpresa que poderia acontecer ao se tentar derrotar um inimigo sem ajuda alguma, apenas na base da tentativa e erro. Tira-se a agência do jogador para que o próprio jogo instrua o que deve ser feito. E como fazer, ainda mais. Esse didatismo prejudica a imersão porque, em muitos casos, e principalmente nos desafios, são apresentadas três ou quatros telas de leitura para que o jogador leia atentamente e saiba o que fazer.

Além dos textos, o jogo parece não acreditar na inteligência do player e ainda usa imagens para reforçar o que deve ser feito. No fim, o pior de tudo é que não há dificuldades em se saber os procedimentos sem a ajuda dos tutoriais. São dispensáveis e atrapalham.

Gastar orientações justamente nos momentos menos difíceis (os chefes de fase) é desacreditar o jogador de sua capacidade e duvidar do seu avanço até o fim de cada estágio. Não são os chefes que dificultam a vida do jogador: são as próprias fases. E destaco isso de forma positiva.

O intrincado level design do jogo proporciona uma série de mortes ao jogador, visto que é raro se passar intacto por uma série de plataformas com abismos mortais entre elas enquanto se é atingido por rajadas de inimigos que atiram pra frente ou atacam pra cima, sem contar o fato de muitas dessas plataformas serem bastante curtas para que se caia em cima delas.

E a beleza estética e de gameplay dos cenários? A sensação em 3D do jogo acontece graças ao cenário, que rotaciona ao redor de Klonoa para forjar e forçar esse aspecto tridimensional que é tão agradável ao longo das cerca de 10 a 12 de horas de jogo, e que poderão se estender para quase 20h se houver o intuito de se terminar o jogo coletando todos os colecionáveis espalhados por todas as fases dos dois games.

Graças ao aspecto labiríntico das fases, os cenários nos obrigam a pensá-los da forma mais estratégica possível. Em determinados momentos, uma tela fixa de uma sala fechada pode ser mais intrigante e desafiadora que muitas fases inteiras, ou um chefe de fase.

Ou seja, diferentemente do que faz quando usa e abusa dos tutoriais, durante cada estágio, antes mesmo dos chefes, os dois games parecem confiar absurdamente em que comanda o controle, pois reserva quebra-cabeças e enigmas bem arquitetados para que o jogador queime alguns tantos minutos na resolução destes.

Se o jogador, logo em seguida ao fim de ‘Door to Phantomile’ for começar ‘Lunatea’s Veil’, ele sentirá profundas diferenças. E não falo apenas de uma questão de melhoria gráfica pelo fato de ser uma continuação que saiu alguns poucos anos depois. O gameplay do segundo jogo é muito mais convidativo e menos anárquico do que o do anterior. Klonoa, assim, se move, ataca, pula e flutua no ar com a facilidade (praticidade, na realidade) que faltava ao jogo anterior. E tudo que envolve saltos e plataforma nos dois jogos rendem excelentes momentos.

Uma diferença que pode ocorrer é a percepção de que o gameplay do jogo um é travado, enquanto o da continuação é mais solto. Nesse sentido, a dificuldade do primeiro jogo acaba sendo ainda maior, mas por um fator negativo que é o do controle de Klonoa ser desnecessariamente pesado e datado, o que passa longe de acontecer no segundo jogo.

Os momentos com os chefes merecem aqui um destaque especial. Há, como em quase todo jogo e mecânica, coisas boas e outras não tão boas. O segundo jogo, nesse sentido, peca menos por tentar novas coisas. Já no primeiro game, os chefes até são divertidos, mas, do segundo chefe de mundo em diante, o jogador poderá começar a perceber certa repetição de padrões: nos dois primeiros bosses, quatro golpes são suficientes para matá-los. No terceiro, não muda muito, são cinco.

Em comum, todos eles começam a usar outros ataques a partir da segunda vez em que são golpeados. Com isso, o jogador mais atento saberá que o chefe usará novos ataques a partir do alcance de mais ou menos 50% da luta. Sabemos que incontáveis outros jogos se utilizam de padrões para arquitetar o que cada desafio fará.

A questão, contudo, é uma só: em um jogo tão curto, e que preza pela variedade da entrega dos seus estágios, não daria para tentar fazer algo similar e diferenciar um pouco cada chefe de mundo? Até mesmo quase todas as arenas em 2D com rotação circular nas quais enfrentamos cada um são iguais em relação aos movimentos que precisamos fazer. Aceitável, mas, uma pena.

Algumas questões técnicas

Para jogos que são bem bonitos, principalmente o segundo, faltou haver um modo foto. Não é porque é uma remasterização 1:1 que não se possa incluir um detalhe tão válido hoje em dia. Também faltou, apesar de sair para as atuais gerações e para as anteriores, usar melhor os recursos dos controles. Principalmente no caso do feedback háptico do Dual Sense (PS5), que foi o console usado para se jogar e terminar ambos os jogos.

O gameplay do segundo jogo é brutalmente mais dinâmico. É algo perceptível já nos primeiros minutos após o seu início. É um jogo melhor, mais consistente, que aposta mais e por isso mesmo se sai bem melhor que o seu predecessor. Há a vantagem de ser um fruto de um jogo anterior, mas sabemos que nem toda continuação supera o lançamento anterior.

A trilha sonora dos jogos também varia em cuidados de um para o outro. Enquanto o primeiro jogo apresentava apenas uma música por fase, e que era constantemente repetida até o fim, a continuação consegue apresentar duas ou três músicas dentro do mesmo estágio. Há duas motivações aí específicas: como o primeiro jogo possui estágios mais encurtados, é compreensível a existência de apenas uma música tocando ao longo dos poucos minutos de duração das suas fases.

Já na continuação, como há fases que chegam, em termos de duração e extensão, serem maiores que um mundo inteiro do primeiro jogo, é natural que existam outras trilhas sendo tocadas ao longo do avançar de telas. No mais, as trilhas são adequadas e casam muito bem o clima descontraído e frenético em ambos os games.

Como um dos últimos destaques técnicos do gameplay, é preciso citar os momentos on rails do segundo game. Todos os momentos em que estamos em um carrinho, um skateboard ou simplesmente deslizando são divertidos e desafiadores. Perto do final do segundo jogo, há um momento insano e que certamente roubará a paciência do jogador. Um Elden Ring da jogatina on rails. E vale demais, o momento, acreditem.

Podemos sonhar com um novo jogo?

Para encerrar, deixo aqui a minha maior crítica ao excelente ‘Lunatea’s Veil’, a sequência contida no pacote ‘Klonoa – Phantasie Reverie Series’. Não faz sentido, contudo, e justamente por ser e se propor a ser (e consegue ser!) um jogo mais extenso, mais diversificado e melhor que o anterior, que Klonoa 2 obrigue o jogador a atravessar determinadas fases duas vezes.

No primeiro momento, em seu aspecto normal e, em uma outra oportunidade, com leves mudanças na fotografia da fase, trilha-sonora ou inserção de novos elementos de plataformas. Como torna-se algo recorrente durante o jogo, dá a impressão de um alongamento desnecessário da narrativa. É o mesmo estágio com uma maquiagem mais pesada. E só.

O pacote com os dois jogos deixa claro que há espaço para um novo Klonoa, sim. Quem sabe um dia tenhamos uma continuação ou um revival, independente da publisher, há um público fiel da franquia que com certeza adoraria ver o mascote da Namco dando as caras em um jogo feito para os computadores e consoles da atual geração.

Nota
Geral
8.0
klonoa-phantasie-reverie-series‘Klonoa: Door to Phantomile’ andou para que ‘Klonoa 2: Lunatea's Veil’ pudesse correr. O primeiro jogo, ao ser jogado hoje em dia, é apenas razoável. Certamente deve ter sido melhor aceito lá em 1997, quando lançado. O segundo jogo, contudo, apenas cresceu em tudo: gameplay, gráficos, trilha-sonora, design de fases, desafios, puzzles, extensão de estágios e duração do jogo como um todo. ‘Klonoa - Phantasie Reverie Series’ é uma ótima pedida para novos e antigos fãs.