O gênero de jogos de corrida está relegado a sentar na fileira mais distante do retrato que compõem o cenário geral de games atualmente.

A simulação de corrida ainda tem seus apaixonados assíduos, mas nada nem perto de termos o gênero como algo preferido de um jogador comum, do dia-a-dia. Forza Horizon é uma franquia que ajuda demais a deixar os odiadores de corrida terem uma pontinha de vontade de experimentar.

Mas o grande problema é que Forza não está numa plataforma da Sony, que hoje produz uma das mais populares plataformas de jogos do mundo. Gran Turismo segue aparecendo na reluzente boutique PlayStation, e assim não deixa que simuladores de corrida sejam completamente uma coisa do passado.

A origem

A série Gran Turismo ajudou o primeiro console da Sony a ser tão icônico e a construir o império PlayStation, sendo Gran Turismo 1 e 2 os jogos mais vendidos na plataforma. Gran Turismo 2 só não ficou em segundo lugar porque Final Fantasy VII pegou a posição e precisava para compor um novo cenário no mundo dos jRPGs.

Mas, assim como eu acredito que o próximo God of War e o próximo “Breath of the Wild” não terão o mesmo impacto por simplesmente não serem mais a novidade que seus predecessores traziam, Gran Turismo 2 ainda conseguiu se manter lá no alto. E sim, o primeiro Gran Turismo foi o jogo mais vendido do PlayStation, passando um dos maiores RPGs da história.

Então, surgem competidores do outro lado do mundo. Os estadunidenses criaram a franquia Forza Motorsport. No começo, a conversa era sempre de qual tinha mais qualidade: Gran Turismo ou Forza Motorsport. Depois de um tempo, Gran Turismo 5, 6 e Sport eram apenas jogos de qualidade, só que nem perto de serem um estouro como foram no início.

Gran Turismo 7 chega para deixar um sabor delicioso de nostalgia, mesclando quase tudo que a franquia possui de melhor para oferecer, somando com a paixão pelo esporte e a nostalgia controlada, de ter aspectos que nos levam a sentir aquele estranho prazer antigo de estarmos amarrados a um simulador de corrida.

Antes de mais nada, eu preciso encarecidamente esclarecer sobre o teor desta análise. Embora eu tenha me descoberto um fã de jogos de corrida no geral, através das décadas, não significa que sou especialista em automobilismo. Oras, nem dirigir, eu dirijo.

Gran Turismo exige um nível mínimo de conhecimento de carros para que você possa ajustar o carro para “caber” em uma categoria requerida em algum evento de corrida, por exemplo.

Tendo dito isso, minha análise é sobre o aspecto de videogame que Gran Turismo carrega. É sobre a diversão generalizada e o game design envolvido, invés do prazer arrancado por aficionados em corrida, nessas experiências de simulação.

Mesmo porque – me corrija se eu estiver errado, a experiência definitiva em um jogo de simulação de corrida automobilística está em Asseto Corsa. Gran Turismo tem um nível de psicose para o mundo dos carros, mas soa mais como paixão absoluta. 

Isso pode ser percebido desde o filme de abertura do jogo, que mais parece uma entrada de jRPG super emotivo, produzido pela Square Enix. Sete transpira paixão pelos poros e é bem prazeroso pegar emprestado por algumas horas essa sensação dessas pessoas apaixonadas e vivê-las por estantes.

Logo, se você quer uma narrativa que vá pelo caminho e linguagem para o público fã de auto-esportes, sugiro que vá atrás do produtor de conteúdo especializado nesta área! Agora, se você é como a maioria dos jogadores que irão pôr as mãos no jogo (mesmo que os produtores batam os pés dizendo que o alvo único são os apaixonados – e isso seria um desastre financeiro para a Sony), se você é como a maioria, vem comigo.

Gran Turismo 7 será um jogo interessante de se deixar instalado em seu console pelo simples fato de que ele oferece conteúdo demais. Os desenvolvedores se asseguraram de deixar bastante coisas para você fazer, mesmo no single player (o que não significa offline). Isso me lembra bastante o carinho que a NetherRealm Studios trata recentemente dos seus jogos de Mortal Kombat.

Jogos de corrida e jogos de luta possuem algo em comum: a jogabilidade pode cair facilmente no ostracismo e repetitividade, oposto a jogos de ação, onde narrativas mirabolantes sempre estão acontecendo e é muito mais fácil de encaixar diversos tipos de contextos e pretextos para oferecer a gameplay.

Por isso é importante a carga de conteúdo preparada para o jogador, e não somente esperar que ele jogue uma campanha extremamente reta, e que o restante do conteúdo, nós mesmos criamos de forma emergente no online, o que acho uma decisão extremamente preguiçosa, junto do exagero de jogos com elementos procedurais. Nada será melhor do que o conteúdo cuidadosamente esculpido por mãos humanas.

O conteúdo

Se você sente saudades de tirar a carteira (afinal é importante na vida do pagador de boletos não depender do transporte público brasileiro, correto?), alegre-se. Licenças A, B, as internacionais e tudo que você encontrava nos jogos clássicos da série, estão novamente aqui, podendo ser acessado pelo Mapa Mundi do game.

Cada licença terá um instrutor diferente, e eles sempre te darão dicas e descrições de cada prova dentro de uma licença. Nem preciso dizer, mas irei dizer que, como sempre, é fácil tirar o bronze (salvo a anti penúltima e última prova da última licença) e quase impossível tirar o ouro a partir de certo momento no jogo.

A maioria das provas consiste em cruzar a chegada num tempo razoável, sem sair da pista e sem bater nas laterais. As licenças serão a atividade aberta desde cedo no game, ao contrário de tantas outras.

Porém, é no ícone de estádio no mapa em que as corridas centrais do modo campanha ocorrem. Sempre correndo contra “a máquina” (não há corrida contra outros humanos neste modo), você terá à sua disposição 34 locações e nelas ao todo, 97 pistas para desfrutar. Entre corridas unitárias e pequenos e grandes torneios, seu carro precisa estar de acordo com as regras da maioria dos eventos mais adiante no jogo.

É da natureza dos jogos de jRPG que tenhamos horas e horas de batalhas iniciais aguadas, sem precisarmos de armar estratégia alguma para derrotar os inimigos. Depois em diante, a coisa começa a apertar. Não é diferente em Gran Turismo 7. Inicialmente não temos limites de quais carros de nossa garagem podemos usar, então, é claro que, vamos usar os mais fortes, deixando os pobres competidores comendo poeira. 

Para medir o nível de poder geral de um carro, temos o atributo PP, empregado pelo jogo. Logo, se o seu carro por exemplo possui 500 PP, mas a corrida só permite no máximo carros com até 450 PP, será necessário ou escolher outro carro, ou ajustar as peças para que consiga entrar. 

Eu não sou tão leigo em jogos de simulação de corrida, mas esses menus de ajuste de Gran Turismo podem pegar muitos jogadores que acham que entendem demais. Por sorte, tudo é muito organizado e teremos ao menos uma vaga ideia de qual parte essencial será afetada (direção, freios, velocidade, arrancada). Então, você pode sim brincar um pouco com os botões deslizantes e mudar valores para cada carro.

Depois de feito isso, é possível salvar essas configurações quantas vezes desejar. Como nem tudo são flores, minha versão estava com algum bug que espero que seja corrigido no lançamento. Todas as alterações que eu fazia não eram salvas e os templates que eu criava viraram opções fantasmas e vazias. Isso impediu que eu entrasse em certos eventos iniciais por não ter outra opção de comprar um carro com as configurações que o jogo gostaria para tal corrida. O jeito foi consumir todo conteúdo em volta, que não fossem essas corridas que envolvem diminuir os ajustes.

Falando nisso, é possível comprar peças para seu carro, e como atributos com números azuis para uma nova arma em um jogo de RPG, aqui vamos ter a mesma técnica, para que claramente vejamos os benefícios imediatos na instalação destas peças. Cada peça instalada pode subir os seus PP, mas também podem descer.

Uma grande novidade no mapa deste novo Gran Turismo será o Café. Basicamente nele, você receberá missões a se fazer em outros setores do jogo. A maioria se resume a ganhar corridas marcadas por um símbolo correspondente, mas também teremos outras tarefas, como tirar carteira e cumprir desafios (mais sobre isso, já, já).

Essas missões do café estão no cardápio. Cada missão, um cardápio crescente.A franquia sempre quer passar uma sensação de finesse (e consegue), mas a melhor maneira de descrever esses cardápios é dizendo que eles são na realidade um álbum de figurinhas, onde colamos fotos dos carros que eles vão nos dando por cumprir cada missão.

Isso é legal porque o jogo não irá se resumir a ganhar carros apenas comprando-os. Logo o seu pokedex… ops. A sua coleção de carros irá aumentar com velocidade mais animadora, impelindo a gente a continuar no game. Por isso, temos uma barra de XP que conta o nosso nível de colecionador dos carros. Esta barra serve para entrar em eventos do jogos que requerem um nível mínimo, por exemplo. Além de, claro, servir de um belo cartão de visita aos outros jogadores online.

O nível de paixão é percebido cada vez mais. Existe um local do mapa onde podemos mudar nosso macacão, alterar fisicamente a carroceria do carro e até lavar o veículo. Existe uma proposta no jogo em que, cada corrida poderá gastar uma quantidade de combustível e também desgastar os pneus. Então, é necessário pagar para consertar carros desgastados pelas corridas e para abastecer de gasolina neste mesmo local.

Já o componente de jogatina online de Gran Turismo 7 não pode ser desfrutado, infelizmente, pois os servidores do game ainda não estavam liberados até 24h antes do embargo cair. De qualquer forma, o ambiente online traz uma proposta de competição com educação e etiqueta. Cada jogador terá uma reputação a zelar. Ultrapassagens sujas, batidas no oponente e outras práticas mais parecidas com o que fazemos inocentemente em jogos de corrida normais, aqui estarão presentes no modo online. 

Falando nisso, agora, vamos ao ponto baixo de Gran Turismo 7. Essa prática foi anunciada meses antes do jogo ver a luz do dia, causou controvérsia na rede, mas aqui está: o jogo requer conexão online, consistente, para que você tenha acesso a todo o conteúdo do jogo.

Sem internet, o jogo entra no modo offline e a única coisa fornecida serão as single races, valendo absolutamente nada e o modo de “corrida musical”, onde o relógio corre no ritmo de alguma música – algo também não valendo nada, apenas um ranking para tentar se superar. Dependendo do momento em que sua conexão caiu, você pode ter perdido o progresso mais atual da sua jornada.

Voltando numa nota mais positiva, o circo no mapa mundi significa uma zona de desafios pré definidos, uma lista, valendo prêmios. Este modo se assemelha muito ao modo de licenças, mas agora mais carros estão na pista. Encostar nesses carros irá falhar o seu desafio; ir para fora da pista com as quatro rodas, irá falhar o seu desafio; pegar o ouro neste modo, será desafiador, até demais. 

Se as recompensas em dinheiro são um pouco baixas demais – e aqui é o caso, pelo menos você pode ater-se ao fato de que, é fácil ganhar carros completando os cardápios, correto? Acontece que, nas concessionárias, são oferecidos carros com dias limitados para serem adquiridos, e esses carros podem custar até um milhão e quinhentos Cr. Essa escalada lenta no dinheiro lembra jogos mobile, e outros tipos de jogos de serviço, que querem te manter o máximo de tempo possível dentro do título.

Assim como nos Forza Horizon, temos aqui bilhetes que dão acesso a roletas de prêmios, porém em Gran Turismo 7, a casa é cruel, fazendo os jogadores amargarem por várias vezes com o prêmio mínimo possível como resultado do sorteio, que não passa de um punhado de Cr.

A parte gráfica dá show na modelagem dos carros e principalmente como a luz se comporta neles. Os cenários são um nível abaixo disso, mas ainda consegue ser imersivos, dentro de uma grande coleção de locações. O jogo se propõe a sempre ter 60 quadros por segundo, independente do modo escolhido. A diferença é que na proposta de modo Ray Tracing, os quadros caem para 30 nos replays e takes mais cinematográficos. Na hora de controlar mesmo, a decisão é de tirar o ray tracing e priorizar a performance.

A paixão

Agora, você pode ir na espécie de deep web do conteúdo do jogo, visitando centros de expositores para ver centenas de vídeos que são links para material oficial do jogo no YouTube. Ou então, assistir infográficos horizontais com a história de cada fabricante, praticamente ano a ano. Ou, escolher entre 2,500 cenários que utilizam a técnica de fotogrametria só para posar com o seu carro, no modo foto (só que em takes mais estilosos).

Esse tipo de nuance, só que bruta, mostra como Gran Turismo é um projeto apaixonado de Kazunori Yamauchi e equipe. Encomenda ou não da Sony, seu material está entregue exatamente do jeito que ele quer que seja, é o playground dele. Como ele mesmo diz, Gran Turismo é sobre cultura automobilística. Acho que nunca uma visão, segundo um desenvolvedor, conseguiu ser tão bem sintetizada em seu produto.

A leveza com que as coisas são levadas, numa visão apaixonada, de um país estranho a muitos, com uma cultura tão diferenciada e rica ao mesmo tempo, sem dúvidas deixam marcas positivas no jogo. Assim que o jogo se inicia, basta apenas olhar a montagem de abertura com fundo de música clássica, que já é percebida a paixão de Gran Turismo.

Nota
Pontuação Geral
8.7
gran-turismo-7-e-excelente-por-possuir-classe-e-paixao-nas-veiasGran Turismo 7 chega voltando às suas raízes, agradando a gregos e troianos, todos nós: os jogadores comuns e os aficcionados em corrida. O clima classudo e organizado faz tudo ser mais agradável, e quando nos dermos contas, temos um jogo de cabeceira, só que um jogo de cabeceira de peso. Alguns soluços, como o modo que requer conexão persistente com a internet podem ser esquecidos se você possui uma internet OK. Do contrário, o jogo espera que jogadores tenham chegado integralmente à era da internet da mesma forma que as pessoas um dia puderam se alegrar em obter energia elétrica incondicional em suas casas. Gran Turismo 7 integra o catálogo PlayStation tornando-o mais rico e diverso, ao mesmo tempo que lhe convida para ser tragado de volta ao gênero muitas vezes esquecido por quase todos. Indispensável ao apaixonado por carros, bem executado ao fã de bom game design.