“EA SPORTS – It’s in the game”. De tempos em tempos, milhões de jogadores ao redor do mundo devem ter ouvido a frase que abre este parágrafo.

Ela é icônica ao ponto em que mesmo que você não seja fã de jogos de esportes, alguém, em algum momento, colocou um jogo deste gênero para rodar e a famosa abertura dos jogos da EA com a lendária voz do ator e dublador Andrew Anthony deve ter aparecido enquanto você passava pela sala, pela loja ou enquanto você entrava em alguma extinta locadora de videogame do seu bairro.

Desde 1993, quando o primeiro game da série foi lançado, ele revolucionou. Apesar de, naquele tempo, já existirem jogos de futebol (como o Kick Off), foi o Fifa Internacional Soccer, o primeiro exemplar de futebol da EA, que trouxe algo que as outras obras de futebol lançadas até então não tinham: o aval da própria Federação Internacional de Futebol para representar com a maior fidelidade possível os nomes dos jogadores, os escudos dos times e seleções e os campeonatos e copas ao redor do globo.

Agora, e muito graças ao recorrente avanço da tecnologia, com consoles com placas gráficas capazes de reproduzir imagens em 4K e 8K, e já bem próximo de completar três décadas de influência entre os jogadores e na indústria, os jogos de futebol da série Fifa estão, ano após ano, e ininterruptamente, saindo para replicar as melhores jogadas, dribles, passes, gols e animações faciais que os consoles da geração nos quais os jogos foram lançados permitiam.

Apesar do alto avanço tecnológico, ainda assim, os jogos de futebol, ou melhor, os jogos de esportes lançados em série, em geral, têm dificuldades de inovarem em suas propostas. Ora, são jogos de um gênero regrado, e que simulam um esporte regrado e encaixotado em um universo pré-estabelecido e de enorme sucesso há mais de um século.

Portanto, aqui, não há o que criticar. O jogo fictício é o que o jogo real é. E mesmo que haja uma enxurrada de jogos da série Fifa lançados a cada década, não há inovações apenas a partir de uma ou outra melhoria gráfica e, quando muito, um novo modo de se jogar aquela partida, set, corrida, luta e assim segue. Em FIFA 23, há mais a ser aproveitado, mesmo com as limitações e regras impostas.

Mas se há público para recorrentemente jogar tais jogos — e há —, talvez importe menos que existam mudanças radicais na jogabilidade. Em tempos recentes, inclusive, foi uma mudança radical que afundou o que veio a se tornar o outrora potente Pro Evolution Soccer, que viu seu legado afundar ao se tornar o eFootball e este ter se tornado o jogo com a pior avaliação na loja da Steam.

Durante cerca de uma década ou mais, PES e FIFA, objeto desta análise, rivalizaram ano a ano para ver qual série de jogo de futebol que se sairia melhor em vendas, em termos de crítica e no gosto geral dos fãs.

Essa disputa, salutar enquanto durou, fez com que as produtoras de ambos os jogos disputassem em termos de marketing, jogabilidade, as mecânicas mais atrativas e divertidas e também no que um ou outro jogo teria que o outro, não. O PES chegou a colocar Messi em várias capas, também Neymar, Cristiano Ronaldo e outros. Já o Fifa, que para trás não ficou, estampou rostos também muito conhecidos: Kaká, Rooney, Ronaldinho Gaúcho e também Messi, algumas vezes.

No mais novo FIFA, duas estrelas figuram na imagem da caixa do jogo. O jogador Kylian Mbappé, do francês PSG, e a australiana Sam Kerr, jogadora do Chelsea. Vale dizer que Kerr é a primeira capa feminina da história de um jogo da série Fifa. Outra novidade de impacto, e ainda nem entramos no terreno do jogo em si, é que FIFA 23 é o último jogo da série com o renomado título ‘Fifa’ seguido de um ano.

A partir do ano que vem, os jogos da série passarão a ser nomeados como EA SPORTS FC. Se esta mudança no título impactará o número de vendas ou mesmo o gosto dos jogadores — afinal, estamos falando de uma série de jogos que sempre soube se vender por conta justamente do título que ostentava —, saberemos apenas em 2023, quando EA SPORTS FC tomará o lugar que deveria ser de Fifa 2024.

Muito do que já sabemos e experimentamos em outros games da série, aqui retornam. Assim, em linhas gerais, esperem retratações fiéis de jogadas, rostos das jogadoras e jogadores, a fidelidade visual dos estádios, o desgaste do gramado, as condições climáticas interferindo diretamente na jogabilidade, jogadas que demandam o aprender de combinações de botões, o incentivo ou vaias da torcida influenciando positiva ou negativamente nas partidas, o cansaço dos jogadores, a capacidade de finalizar, driblar ou correr em disparada com boa posse de bola de certos craques e por aí vai.

FIFA 23, com a experiência de vários outros títulos e o investimento financeiro da EA, certamente não deixa de cumprir bem com cada dos aspectos citados. Mas, afora tudo que já sabe que a série Fifa pode fazer, o que o último título da série pode trazer de novidades que até então nunca havia sido feito?

O vestuário do AFC Richmond já deu a letra: BELIEVE!

Em sua mais nova edição, para começar com uma novidade que realmente dá um gás ao título, temos a adição de um time irreal formado por pessoas bastante carismáticas e que já fez muito marmanjo rir e chorar: o AFC Richmond. Não sabe que time é esse? Tenho duas palavras para você: TED LASSO.

E se ainda não ficou explícito ao que me refiro, serei específico. FIFA 23 nos brinda com a possibilidade de treinarmos e jogarmos com o time AFC Richmond, o time ficcional da série Ted Lasso, cujo personagem principal é interpretado pelo excelente Jason Sudeikis.

Talvez esta seja a novidade mais curiosa do título, visto que controlar o grosseiro (e de bom coração) Roy Kent quase me fez querer vê-lo puxar uma briga em campo só para ver se, como na série, uma série de palavrões e empurrões seriam executados pelo avatar. Não foi bem o caso, infelizmente. Mas se não há a personificação in game da grosseria de Kent, ao menos outras retratações físicas não falham: Sam Obisanya e o sempre alegre Dani Rojas são realmente bastante velozes em campo, por exemplo.

O AFC Richmond está disponível no grupo dos times do Resto do Mundo (Rest of the World). Mas se a sua preferência não for controlar o AFC, você poderá, no Modo Carreira, ser o impagável, astuto, muitas vezes ingênuo e de bom coração, Ted Lasso, levando o seu time a mais alto lugar nos campeonatos.

A volta do modo Volta

Falando ainda em novidades, um merecido e esperado retorno é do modo Volta, sempre um dos mais divertidos modos de jogo da série Fifa desde quando ele era ainda um jogo separado: o Fifa Street. Ao ser incorporado à série principal, Fifa Street virou o modo de jogo Volta, que soube crescer dentro de si e se estabelecer como um modo de jogo que, mesmo que voltasse a ser um pacote solo, valeria por si só o gasto com o game mediante a qualidade e o alto fator de diversão deste modo de jogo, que é um atrativo de luxo para fã nenhum de futebol de rua, society ou de salão botar defeito.

Neste modo de jogo, toda a beleza plástica de jogadas, fintas e passes já muito bonitos e elaborados em que os jogadores parecem também praticantes de parkour, ganham a adição da urgência de se tabelar com as paredes e alambrados no espaço de jogo de cada sessão do Volta. Com isso, partidas que tenderiam para a simulação da realidade, satisfatoriamente recebem melhorias em termos gráficos, de gameplay e de diversão.

Sejam bem vindos, campeonatos femininos. Mas…

Se há algo que infelizmente não acompanhou o fator de simulação dos eventos de jogos de futebol reais ao longo dos lançamentos dos jogos da série Fifa, foi a longa demora para incorporar os times e seleções femininas em seus jogos. Faço aqui uma triste constatação: só há duas ligas/campeonatos femininos para serem jogados em FIFA 23. Assim, não sonhe em jogar nenhum outro campeonato que não sejam o campeonato francês (12 times), o campeonato inglês (12 times) e mais dezessete seleções mundiais.

A divisão de espaços na introdução do game entre Kylian Mbappé e Sam Kerr não se traduz equitativamente para além da tela inicial do jogo. Com isso, apesar do abraço ao futebol feminino, algumas restrições (jurídicas e de acordos financeiros) impedem que exista uma exploração mais profunda na retratação de outras ligas, seleções e times. Fica o registro de que há o futebol feminino, mas de forma bastante incompleta. Quem sabe no vindouro EA Sports FC não haja mais o que mostrar…

Pontos positivos e negativos

Dando prosseguimento à parceria já existente no mundo real, mas que passou a existir desde o Fifa 2021, no mais recente jogo da série, o narrador Gustavo Villani volta ao comando do que acontece dentre das quatro linhas de cada partida, e com o auxílio do seu escudeiro Caio Ribeiro.

Como de costume, tanto a narração como os comentários estão alinhados ao que acontece em campo, mesmo que seja uma partida em que muitas jogadas e acontecimentos não esperados venham a acontecer, sempre haverá um bordão ou um dizer que retratará ou resumirá bem o ocorrido em campo.

Contudo, se há a narração em nossa língua, o mesmo não pode ser dito da seleção brasileira ou da existência do campeonato brasileiro. Os mesmos acordos financeiros e jurídicos impedem que a seleção brasileira de futebol tenho os seus rostos e nomes mais conhecidos em campo. Assim, nomes como Oswaldinato, Bisesi, Zonta, Mantela, Chiamulera, Catarino, Emelvinson, Cabrais, Boas Santos, Zervandro, Padrenda, Andrão e outros formam a seleção canarinho.

Algo similar ocorre com os direitos do Campeonato Brasileiro. Ao não ter acordo para retratar o nosso campeonato, para encontrarmos times brasileiros é necessário se recorrer às ligas como a Libertadores e o Campeonato Sul-americano. Assim, podemos encontrar times como Palmeiras, Flamengo e outros.

Apesar das dificuldades extracampo influenciarem as opções de escolhas de times e seleções mais fielmente retratadas, FIFA 23 consola o jogador de diversas outras formas. Ao testar o jogo com a seleção brasileira, em jogada rápida que me levou até dentro da grande área, apertei sem querer o botão de cruzamento no lugar do botão de chute.

Eis que a inteligência artificial do jogo certamente percebeu meu erro e, logo em seguida, surge uma notificação no canto superior direito me dando o direito de, se eu quiser, eu retornar ao momento pré-ataque e então chutar com o botão corretamente. Dessa vez, pra constar, eu fiz o gol.

Outro abraço do jogo aos jogadores, principalmente os iniciantes, é o autoajuste da dificuldade do game. Logo de cara, somos obrigados a jogar uma partida inicial contra a máquina para que seja possível que a inteligência artificial do jogo determine em que nível de dificuldade podemos seguir adiante. Se no jogo formos muito bem, será sugerido que a dificuldade seja elevada. Se a partida for muito difícil, o nível de dificuldade sugerido será em um modo mais principiante. Isso facilita a adesão e o prosseguimento do jogador.

Os controles se mostraram bastante responsivos ao imediatismo que o futebol atual possui. A rapidez de raciocínio e a agilidade com o controle irá premiar os jogadores mais astutos e atentos à fluidez proporcionada pelo FIFA 23.

Falando em fluidez, se o jogador esteja com pressa para terminar algum campeonato ou não tiver vontade de jogar determinadas partidas, os modos de observação de jogo in-game são bastante atrativos. Por exemplo, tanto pode-se simular de vez o resultado da partida, como há a possiblidade de se acompanhar a movimentação da partida vendo tudo de cima como se estivéssemos em um campo de botões. O player apenas determinará a escalação, a tática e se o time se comportará mais defensiva ou ofensivamente.

Por fim, vi um problema que se destacou e me retirou um pouco da partida e do jogo. É algo até surreal: as crianças que acompanham os jogadores nas animações de entrada em campo são apenas versões miniaturizadas dos NPCs adultos. Tanto que, no geral, a cabeça da criança e do jogador possuem o mesmo tamanho com a diferença do corpo infantil ou adulto.

O que buscar quando já se tem tudo?

Apesar de eventuais problemas, muitos deles que estão fora do próprio game (como a questão das licenças e direitos sobre times, seleções, jogadoras e jogadores), FIFA 23 encerra uma trajetória de muitos sucessos ao longo das décadas. A EA pode, talvez, nunca ter lançado um jogo da série Fifa totalmente perfeito, porém, o futebol de verdade é justamente isso: a mão de Deus de Don Diego Maradona, o gol de meio do campo que Pelé nunca fez, um 7×1 aqui, a copa nunca ganha de 1982, a copa de 1998 e por aí vai.

O futebol é o esporte mais amado do mundo também pelos seus erros, seus contratempos, as grandes derrotas, o jogador decisivo que nunca entrou em campo e mais.

FIFA 23 encerra um legado de olho em outro, e que pode já ser iniciado em 2024. Se a EA quiser, EA Sports FC poderá nos proporcionar mais alguns anos e décadas vitoriosas de jogos de futebol de alto nível e fidelidade.


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Nota
Geral
8.0
fifa-23Superar uma série de jogos que precisam sempre estar em evolução não é fácil. São cerca de trinta anos lançando obras que disputaram consigo mesmas, disputaram com outros concorrentes e, após muito vencer tantas batalhas, voltaram a disputar consigo mesmas novamente. Fifa 2023 encerra uma trajetória buscando sedimentar os passos de um recomeço, mas agora longe da padronização Fifa. O trabalho desenvolvido pelo novo jogo mostra evolução em um gênero difícil de evoluir e consegue imprimir a marca do sucesso da série como tanto fez ao longo do tempo.