De Anthem a Destiny, toda vez que um jogo é anunciado com uma base de milhares e milhares de dólares em marketing investido, eu fico me sentindo burro, tentando entender qual é a grande novidade sobre esse alarde todo, tentando entender o que o jogo faz de especial.

A comunicação não encaixa, porque o que ouço do marketing e até mesmo do público soa como se fosse material revolucionário. No caso de Anthem eu consegui pegar de volta o meu senso de inteligência e falar que o que senti desde que esse jogo deu caras pela primeira vez, foi absolutamente nada.

Atomic Heart vem dessa obscuridade de jogo em que a gente não entende muito bem sobre o que ele é. Tudo bem, a gente sempre soube que seria um FPS, mas faltava saber o escopo e os maneirismos que possam fazer dele algo distinto, tal como soa nos trailers. Então, tendo lançado, percebe-se que Atomic Heart é desengonçado e mal montado em suas partes, mas mesmo assim é deliciosamente fascinante.

Até hoje eu estou esperando sentir o que Bioshock Infinite prometeu ser. Na verdade, aquele jogo fez eu aprender a não desenhar meus anseios, e apenas deixar a hora do lançamento chegar. Foi sentido pelas pessoas que embora ele ser um jogo fascinante em sua construção de mundo, se vendeu como um jogo de comentários socialistas, mas a obra parece desistir muito fácil, caminhando para qualquer coisa menos o caminho de retratar um elo com a realidade de nossa sociedade real.

Repetindo muita coisa, Atomic Heart levanta os muros de uma sociedade utópica e um mundo novamente fascinante, porém sem promessas prévias, mas apenas dados comedidos quando vai tratar de política. Neste mundo em meados da década de 50, a União Soviética foi a queridinha da Segunda Guerra, invés dos Estados Unidos. A nossa existência é sempre sobre conseguir algo a mais do que outros. Sempre, sempre alguém em algum lugar vai se dar mal para que o outro lado se dê bem.

Não existe tutu para todos. Então, o grande desenvolvedor de novas tecnologias, trazendo prosperidade, é a Rússia, aproveitando que os desenvolvedores do jogo são dessa nacionalidade. Nesse mundo, os Estados Unidos sofrem dificuldades e crises latentes, como qualquer outro país daqui da América do Sul, por exemplo. E pelo que se indica, não é uma versão de país que arrota caviar.

Mas parece que como forma de pagamento em tratar de forma mais interessante o rumo da sociedade, jogo toma algo em troca, que é uma jogabilidade mais travada, sendo lúcida em relação ao que está fazendo, mas peca no experimento de misturar elementos de RPG, por exemplo, num jogo mais receptivo em ser uma obra de ação.

O protagonista está desalinhado com a grandeza do mundo, provavelmente porque é só um bucha que adora seu patrão visionário, então até que haja algo relevante no roteiro, o jogador passa tempo demais se metendo na situação toda que o jogo é, de forma que não interessa muito. Seus anseios são tacanhos, pois o mundo parece promissor demais para um homem sem ambição própria ou dramas significativos.

Dead Space faz de Isaac Clarke um trabalhador simples em situação extrema por ser algo muito simples em jogo: a sua própria vida correndo o risco de terminar da forma mais bizarra possível. Por este mesmo motivo, da falta de conexão afetiva com qualquer personagem, ou um plot device extremamente provocativo, vai ser difícil dar atenção a todos os audiologs a la Bioshock, encontrados em sessões internas.

E, falando nisso, felizmente Atomic Heart está dublado, mostrando cada vez mais a qualidade do segmento no mercado brasileiro. Contudo, eu pude notar uma inconsistência estranha de diálogos, e não pude evitar pensar que isso acontece até no jogo em inglês, quando algo do russo foi perdido na tradução para qualquer outra língua, sem contar com o jeito de se expressar que uma cultura pode esculpir em uma sociedade um pouco diferente do que estamos acostumados a ver retratada em jogos. Se você acha que estou maluco de ter percebido isso, dá uma checada no protagonista que adora xingar “carniça defumada”.

Já o protagonista do jogo, que eu vou ter que pesquisar o nome aqui…Ah! sim, o Major Sergey. O Major Sergey força ser desbocado de início, um protótipo de BJ de Wolfenstein The New Order. Ele ensaia construir uma relação a la BT do Titanfall 2, só que com sua luva falante com tentáculos. Só que em Titanfall 2 gente tinha setpieces de ação de tirar o fôlego e aqui estamos mais para caminhar calmamente por dungeons com jeitão avant garde num suspense de se perguntar o tempo todo se a gente esqueceu alguma coisa para trás, pelas nossas armas estarem sendo tão pouco efetivas.

E a desconfiança é natural, porque parece que a qualquer momento o game design vai desmoronar. Isso não chega a acontecer, mas essa sensação é mantida de forma incrivelmente persistente até altas horas de jogo. Mas tudo bem: se você não ficar preso na geometria do cenário, não vai ser necessário dar loading e voltar do último save por exemplo.

A estrutura do jogo permite a navegação em grandes áreas abertas em campos verdejantes, porém recheado de ameaças: quase tudo que se move quer te matar, já que a premissa é sobre a simplicidade narrativa de se ter uma sociedade sofrendo um ataque de robôs entrando em pane, graças a algum humano mal-intencionado.

Atomic Hearts tem ótima direção artística visual em praticamente todos os departamentos: a arquitetura, a coerência estrutural e o design das criaturas carregam muito do jogo nas costas, por isso faz valer a pena a jornada. O material de divulgação faz os esquisitos formatos parecerem peças de um jogo tão sem pé nem cabeça quanto Zeno Clash, mas, na verdade é tudo muito simples quando estou cara-a-cara com cada uma dessas criações.

O jogo não cede a vontade ocidental e principalmente americana de fazer de tudo para não possuir um visual que sugue de Transformers. É uma pena que os interiores dos prédios  em sua maioria são cenários que lembram escritórios burocráticos, beges e cheios de arquivos em gavetas, não havendo estranhezas narrativas inspiradas o suficiente para sequer chegar perto de Control da Remedy.

Pelo fato das estruturas serem tão esquisitas quanto qualquer outro aspecto desse novo leste europeu, é quase como reaprender a fazer assimilações visuais para descobrir a funcionalidade de cada máquina e como fazer para afastar a ameaça, nem que seja por um curto período de tempo.

Ao sermos direcionados para os complexos em forma de grandes prédios ou bunkers, vamos encarar puzzles com uma variedade até interessante, porém com o tempo se tornam um obstáculo cansativo, além de reforçar uma falha estranha no jogo, que é a de simplesmente ser ruim em explicar suas mecânicas.

Atomic Heart faz um trabalho muito pobre nos tutoriais. Ou ele não explica direito, ou explica de forma tão desinteressada que você fica se perguntando se realmente algo foi ensinado em algum ponto anterior. Isso tudo ainda é agravante porque ele resolve misturar narrativas desnecessárias em cima das explicações, em cima de menus bloqueados, etc.

E nessa altura da vida, eu até gosto de jogos que escondam tutoriais ou não explicam certos aspectos, pois faz o prazer em jogar aumentar ao realizarmos que fizemos algo sem ajuda, mas eu tenho certeza que isso é uma coisa que não serve para todos. Se você gostava da ideia de guias de jogos, mas sente que nos últimos 10 ou 20 anos eles não fazem mais sentido pela da maioria dos jogos serem extremamente guiados, fique à vontade para se aprofundar em algum compêndio de Atomic Heart.

No mais, o feeling de impacto durante o combate é ínfimo, deixando de lado a sensação de brutalidade trocada entre carne e máquina; as “dungeons” podem proporcionar momentos de tensão tão bons quanto a alguns momentos bons de tensão em Half Life, como o nosso personagem podendo destroçar corpos humanos no cenário, afim de evitar plantas que incorporam humanos de forma que viram zumbis voadores. Bastou deixar um humano inteiro para trás que é garantia de um zumbi solto por aí assim que a plantinha voadora alcançar este cadáver.

Ao finalmente visitar a parte externa com ação, o jogo faz um trabalho um tanto inusitado que pode desagradar uns e deixar outros interessados. Confesso que minha reação inicial foi perfeitamente equilibrada entre às duas coisas. O jogo empurra uma confusão de ameaças por todos os lados, não casando nada com o que o jogador acabou de experienciar no longo primeiro nível introdutório.

Nessa parte eu fui capaz de morrer no jogo pela primeira vez, por causa da desorientação visual tamanha a confusão de inimigos aglomerados. É aí que eu reforço o que eu já estava desconfiado: de alguma forma Atomic Heart não quer te ensinar a jogar, ou então não teve paciência para isso. Certamente neste ponto ele abruptamente estava me pedindo para passar a jogar de maneira stealth, o que é interessante por causa da geometria totalmente caótica do pequeno vilarejo do qual você irá se encontrar.

A parte boa disso é que o jogo por querer ou sem querer se refresca, apresentando um nível diferente de mundo ameaçador, se comparado ao complexo do qual acaba de sair. O ar de gameplay promissora invade o recinto e então é preciso ter bastante paciência em descobrir muitas coisas por conta própria, pois por mais que o jogo dê uma resumida nos seus próprios nomes confusos dados aos robôs, não será suficiente para sintetizar o que o jogador necessita fazer para ter uma jornada em paz.

Os inimigos infinitos podem ser outra coisa que desagrada o jogador que não está aberto a propostas diferentes. A cada máquina que você destrói, haverá um drone que chegará para consertá-lo e trazer o inimigo de volta à ação. Claro que isso não é uma mecânica tão injusta gratuitamente. Pegando mais uma vez uma mecânica de algum jogo, você poderá hackear câmeras, afim de abrir portas que dão acesso a terminais que podem ser hackeados e assim deixar tudo que for eletrônico desativado por cerca de 5 minutos, e, você finalmente ter um minuto de paz no jogo.

Enfim, apesar dos vários problemas, Atomic Heart é um jogo muito mais interessante do que muito jogo com avaliação superior por aí, pois a coisa mais apavorante para um analista de jogos é dar de cara com um jogo que se faz de redondinho e passa tranquilamente acima de qualquer suspeita aos olhares. Ao menos Atomic Heart provoca, se esforça na parte criativa visual.

Avaliar um jogo que faz quase tudo bem, tal como seus 20 antecessores, pode ser uma tarefa terrível de se executar. O interessante mesmo é o jogo que lhe tira de várias zonas, e neste caso aqui, até errando, ele consegue arrancar olhares de curiosidade. Por esse mesmo motivo eu não vou gastar seu tempo falando sobre upgrades ou as outras mesmas coisas que o jogo copia de Bioshock, pois eu acho que já deu para perceber como é esse departamento.

Nota
Geral
7.7
atomic-heartAtomic Heart, um jogo com potencial de ambientação dos melhores do ano (já), gasta suas primeiras horas numa dungeon chatíssima assim que o jogador toma conta da gameplay pela primeira vez. Se você tiver paciência para atropelar isso, terá boas e estranhas surpresas, como Mick Gordon entrando em cena em alguns momentos deliciosos de gameplay, que vão trazer um frescor ao próprio jogo. Sem sombra de dúvidas este título se tornará um cult hit de peso desta geração.