Ghost of Yōtei ,da Sucker Punch, surge em meio a um cenário já saturado de produções ambientadas no Japão medieval. Desde o lançamento de Ghost of Tsushima em 2020, que depois ganhou versões para outras plataformas, o mercado foi inundado por diferentes interpretações desse mesmo período histórico, explorando estilos variados e múltiplos protagonistas. Em apenas cinco anos, esse universo tornou-se um dos mais revisitados pela indústria dos jogos.

Nos últimos anos, vários lançamentos ambientados no Japão antigo ocuparam espaço no mercado, como Nioh 2 e Like a Dragon: Ishin! Nesse cenário, o novo projeto da Sucker Punch precisa se afirmar em meio a produções de grande destaque, enfrentando não só a concorrência de títulos consagrados, mas também a expectativa de ser a segunda obra dentro do universo iniciado por Ghost of Tsushima.

A busca por uma identidade

Esse contexto impõe forte pressão sobre o estúdio, que busca preservar sua identidade visual inspirada no cinema japonês clássico, ao mesmo tempo em que introduz novidades capazes de atrair novamente o público. A escolha de uma nova protagonista feminina reflete essa intenção: uma figura distante do arquétipo samurai tradicional, moldada pela sobrevivência e pela vida mercenária, que domina diversas armas e adota uma postura moral menos rígida, contrastando com o código de honra que marcou o primeiro jogo.

O novo capítulo da série busca se diferenciar de Tsushima, mas sem abrir mão da essência de batalhas exigentes, onde a precisão continua sendo determinante. A grande mudança está na introdução de armamentos inéditos e na possibilidade de alternar entre eles em plena luta, recurso que também pode ser explorado pelos inimigos, aumentando a imprevisibilidade dos confrontos.

Além disso, podemos lançar objetos, aproveitar armas deixadas no campo e combinar esse arsenal com opções já conhecidas, como arco e flechas, além de equipamentos de pólvora. Essa mistura garante frescor à jogabilidade, mantendo a sensação de continuidade. Os duelos clássicos retornam, agora enriquecidos pela presença de uma loba que acrescenta novas camadas à experiência.

A jornada de Atsu

Em Ghost of Tsushima, a trama acompanha Jin Sakai e seu tio, que tentam defender a ilha contra a invasão mongol de 1274. Para enfrentar o inimigo, Jin rompe com os princípios tradicionais do samurai e adota táticas consideradas desonrosas, assumindo a identidade do Fantasma. Já em Ghost of Yōtei, a narrativa ocorre séculos depois, sem conexão direta com Jin. A protagonista, Atsu, não luta por ideais coletivos, mas sim por vingança pessoal contra o grupo conhecido como Yōtei Six. Como mercenária, suas escolhas envolvem dilemas éticos questionáveis, muitas vezes guiadas por interesses sombrios ou pela simples busca de lucro.

A trajetória de Atsu apresenta uma construção distinta da de Jin. Enquanto em Tsushima a narrativa girava em torno do dilema ético do protagonista e da sua evolução como samurai, marcada pela descoberta de novas técnicas e pela adoção de métodos furtivos, em Yōtei a condução da história parte de outra base, moldada pela vivência prévia da nova personagem. Atsu já chega como combatente experiente, forjada em inúmeros conflitos no sul, e domina com naturalidade um vasto leque de armas. Desde lâminas longas e curtas até lanças, correntes, arco, mosquetes e pistolas de mecha, a personagem demonstra versatilidade absoluta, utilizando cada recurso sem restrições ou hesitação.

Evolução de Atsu

A evolução de Atsu acontece através do contato com diferentes mestres, que ensinam novas técnicas ligadas às armas que dominam. Além disso, ainda existem confrontos especiais contra rivais que concedem habilidades únicas, mas o sistema já não segue o mesmo modelo do jogo anterior, em que lendas narradas guiavam a progressão. Agora, esse papel está associado à conquista de armaduras específicas.
Entre essas armaduras, uma em particular conduz o jogador a uma missão marcada por atmosfera de terror, lembrando um survival horror ambientado no Japão feudal, com momentos de grande tensão que prometem ficar gravados na memória.

A narrativa de Atsu também se apoia em lembranças pessoais, sobretudo das vivências com os pais e o irmão. Podemos alternar entre presente e passado para acompanhar momentos da infância da protagonista, o que reforça sua identidade e explica hábitos como a pintura aprendida com o pai e a música herdada da mãe através do shamisen. Do ponto de vista técnico, esse recurso é um dos destaques do jogo. A transição imediata entre linhas temporais mostra a capacidade do estúdio em criar mudanças visuais e de jogabilidade de forma fluida, alcançando um nível de execução comparável apenas a produções de referência no gênero.

O mundo de Ghost of Yōtei

Em Ghost of Yōtei, a grande quantidade de atividades secundárias e elementos para coletar acaba desviando a atenção do enredo central. A busca por vingança perde força diante da variedade de tarefas paralelas, o que compromete o ritmo da narrativa, um dilema comum em produções de campanha solo que tentam oferecer vasto conteúdo e muitas horas de jogo. Esse excesso de missões opcionais, lendas independentes e eventos aleatórios, somado à necessidade de acumular pontos para evoluir atributos ou liberar vantagens, alonga a experiência, mas enfraquece a ligação com a trama principal. Embora seja um desafio equilibrar liberdade e foco narrativo, alguns jogos conseguem alinhar esses elementos, enquanto aqui a dispersão se torna mais evidente.

O jogo conquista pela sua direção artística, que convida constantemente à contemplação e à exploração, criando momentos de imersão que prendem o jogador ao cenário. A Sucker Punch mais uma vez acerta ao transformar o ambiente em parte essencial da experiência.
Entre as tarefas opcionais estão práticas variadas, como cortar bambus, seguir trilhas de raposas, registrar paisagens em pinturas, visitar fontes termais para ampliar a vitalidade, meditar em altares para adquirir novas técnicas ou enfrentar matilhas em covis. Além disso, há missões ligadas à loba companheira, que ganha habilidades adicionais ao ser ajudada a resgatar outros animais.

Durante a jornada, surgem inúmeros acontecimentos inesperados pelo caminho, semelhantes aos de outros jogos de mundo aberto. Muitos deles fornecem pistas relevantes sobre os Yōtei Six ou indicam locais de interesse ligados às atividades paralelas.
Além disso, há missões secundárias mais elaboradas, com enredos próprios e maior profundidade, superando em variedade e consistência as do título anterior. Os duelos contra mestres da espada também retornam, mas agora inseridos em histórias específicas que lhes dão maior peso, assim como ocorre com certas armaduras, resultando numa abordagem narrativa mais sólida.

Desafios secundários

Em cada região do mapa existem pontos fixos, como estalagens ou refúgios, que funcionam como centros de apoio. Neles encontramos personagens que permanecem disponíveis para auxiliar o jogador ao longo da jornada. Entre esses serviços estão comerciantes de acessórios e tinturas para personalização, o ferreiro responsável por reforçar armaduras, a arqueira que vende e aprimora arcos e bolsas de flechas, além de um mercador de mapas que revela novas áreas.

O título inclui um minijogo que, apesar de simples, exige precisão e pode consumir bastante tempo. Nele, é preciso deslizar moedas sobre a mesa de forma estratégica, evitando que toquem em peças extras ou caiam, enquanto se disputa ponto a ponto até que um dos jogadores alcance a vitória. O uso do gatilho háptico do DualSense acrescenta uma camada de desafio e imersão.

Além disso, há fortalezas controladas pelo Clã Saito que precisam ser tomadas para libertar prisioneiros, retomando uma dinâmica já vista anteriormente. Algumas dessas áreas estão ocultas e só podem ser acessadas após resolver enigmas, tanto antes da entrada quanto durante os combates, o que adiciona variedade e complexidade às missões.

Atsu e seu combate

A aventura começa com a katana tradicional, permitindo golpes leves e pesados, além de bloqueios e esquivas. Rapidamente, porém, Atsu se distancia das comparações com Jin Sakai ao adotar armas deixadas por inimigos, realizar ataques furtivos e, em seguida, empunhar duas espadas ao mesmo tempo.

As lâminas duplas oferecem velocidade e vantagem contra adversários armados com lanças, mas perdem eficiência diante de espadachins. O sistema segue uma lógica de forças e fraquezas: a yari é indicada contra guerreiros pesados que usam marretas, enquanto a kusarigama se mostra eficaz contra escudos, podendo ainda ser usada de forma discreta para eliminar inimigos à distância.

No combate à longa distância, retornam os arcos yumi e hankyu. O primeiro pode desarmar rivais ou quebrar proteções, enquanto o segundo dispara flechas incendiárias, envenenadas ou explosivas. A mecânica mantém o esquema de mirar e disparar, com a possibilidade de usar o foco para desacelerar o tempo e escolher melhor o alvo.

Inovações em Ghost of Yōtei

As inovações concentram-se no uso de armamento de pólvora, algo já presente no Japão do século XVII, mas inexistente no período retratado em Tsushima. Atsu pode empunhar tanto o mosquete tanegashima, de disparo mais lento e recarga trabalhosa, quanto a pistola tanzutsu, voltada para ataques rápidos e de curta distância, cada uma ocupando espaços distintos no inventário. Na categoria de recursos imediatos, retornam itens como óleo incendiário, bombas de fumaça e de luz, mas surgem novidades como o metsubushi, pó que confunde inimigos, além do uso de kunais, capazes de quebrar a defesa ou eliminar adversários mais frágeis. Esse conjunto, aliado à pistola de disparo veloz, amplia as possibilidades de combate.

Um exemplo prático é a invasão a uma fortaleza do clã Saito: o jogador pode chamar a loba com o shamisen, observar o terreno com o monóculo, eliminar inimigos em sequência de forma furtiva e contar com a ajuda do animal. Caso seja descoberto, pode recorrer ao arco para lidar com vigias, usar fumaça para escapar e, com a barra de Ghost Stance carregada, finalizar os restantes em um clímax visualmente impactante. Entre as novidades destacam-se o uso do shamisen e a presença da loba. O instrumento, ligado à memória da mãe de Atsu, ganha funções práticas durante a jornada, permitindo desbloquear canções que auxiliam em diferentes situações, como localizar pontos de interesse, chamar a loba para o combate ou revelar áreas escondidas.

Relações de confiança

A relação com a loba tem também um peso simbólico e narrativo. Atsu, muitas vezes retratada como isolada e consumida pela vingança, aprende com o animal a importância de agir em grupo. Essa ligação se reflete em momentos decisivos, quando a loba salva a protagonista ou pede sua ajuda, além de conceder habilidades especiais que podem ser usadas em batalhas, desde ataques diretos até suporte em situações críticas.

Outro tema central é a confiança. Ao longo da história, Atsu encontra aliados de diferentes origens (artesãos, mestres de armas e guerreiros) que contribuem para sua evolução. Cada aliado fortalece a personagem e define o seu destino, seja conduzindo-a pelo caminho do Fantasma ou ajudando-a a superar o ciclo de vingança. Vale destacar o cuidado visual do jogo. A equipe viajou até Hokkaido, então chamada Ezo, para captar tanto a imponência quanto o perigo da região. No Parque Nacional de Shiretoko, observaram ondas violentas contra falésias e marcas de ursos nas árvores, experiências que transmitiram a sensação de risco e fascínio, além de inspiração para a recriação dos cenários.

Um visual deslumbrante

Esse trabalho reflete-se no resultado final: paisagens amplas, iluminadas por pores do sol e mudanças de vegetação até o Monte Yotei, que ganham ainda mais impacto com o uso de uma câmara cinematográfica durante as cavalgadas. O efeito é de completa imersão, fazendo com que Atsu e seu cavalo se integrem ao ambiente natural.

A identidade cinematográfica do jogo não se limita às paisagens, mas também ao cuidado na representação cultural e estética da época. As cenas curtas entre duelos e confrontos remetem diretamente ao cinema de Kurosawa, reforçando a inspiração artística que guia a experiência. O design dos cenários reforça essa abordagem, com áreas menores, porém mais verticais e densas, que escondem atividades de forma natural. A inclusão de mais pontos de viagem rápida e o uso de cutscenes em deslocamentos longos, como na subida ao Monte Yotei, tornam a progressão mais fluida e menos cansativa.

Outro destaque está na diversidade dos ambientes. O jogo alterna entre campos verdejantes, regiões cobertas de neve, vales, montanhas e áreas devastadas, cada uma trazendo não apenas variedade visual, mas também impacto direto na jogabilidade. Nas zonas geladas, por exemplo, o terreno dificulta a movimentação, a neve limita a visibilidade e o frio ameaça diretamente a sobrevivência

Vale a pena jogar Ghost of Yōtei?

Ghost of Yōtei representa um avanço corajoso da Sucker Punch, ao não se limitar a repetir a fórmula de Tsushima. Com uma protagonista de caráter ambíguo, uma trama centrada em vingança e um sistema de combate mais variado, o jogo oferece uma experiência intensa e marcada por forte inspiração no cinema japonês.

Apesar de a grande quantidade de atividades paralelas enfraquecer em certos momentos a narrativa principal, o título se destaca pela riqueza do mundo, pela direção artística e pela profundidade das mecânicas, consolidando-se como uma das produções mais marcantes da geração. Ainda que perca parte da originalidade por dividir espaço com outros jogos ambientados no Japão feudal, consegue equilibrar tradição e inovação, assegurando à série um papel de destaque no gênero de ação e aventura.

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Nota
Geral
9.5
ghost-of-yotei-ps5Ghost of Yōtei reafirma a capacidade da Sucker Punch de reinventar o próprio legado, entregando uma obra que alia ousadia criativa a um profundo respeito pelas suas raízes. Mesmo com alguns excessos que diluem o fio narrativo, o jogo se impõe pela força estética, pela densidade mecânica e pela forma como traduz referências cinematográficas em linguagem interativa. O resultado é uma experiência que não apenas amplia o universo iniciado em Tsushima, mas também consolida a franquia como um marco relevante dentro do panorama contemporâneo dos jogos de ação e aventura.