Sabe aquela sensação de encontrar um jogo que parece ter sido feito sob medida para você? Foi exatamente o que senti com Shuffle Tactics. A promessa de um RPG tático com a profundidade de Final Fantasy Tactics e a imprevisibilidade de um deckbuilder como Slay the Spire era um ímã para mim. Mas, como em toda grande aventura, nem tudo é um mar de rosas. Asteria, o mundo amaldiçoado que me acolheu, revelou-se um campo de batalha onde a genialidade tática se mistura com uma dose considerável de caos, e onde a minha paciência foi testada tanto quanto a minha estratégia. Esta é a minha jornada, com todas as suas vitórias suadas e as derrotas que me fizeram questionar o próprio baralho.
O Ciclo da Maldição
Minha aventura começou no reino medieval de Asteria, um lugar que, infelizmente, sucumbiu à “Maldição do Glimmer”. Essa praga, desencadeada pelo Rei Ogma em sua tentativa desesperada de reviver a rainha, corrompeu tudo, inclusive o próprio monarca. Consequentemente, como um dos heróis imbuídos de poderes especiais por essa mesma força misteriosa, minha missão era clara: combater o Rei Ogma e restaurar a paz.
A narrativa, embora discreta e muitas vezes em segundo plano em relação à jogabilidade, é inteligentemente tecida para justificar a natureza roguelite do jogo. A cada derrota, uma força inexplicável me trazia de volta, e o objetivo se tornava “descobrir os segredos que permitirão quebrar esse ciclo perpétuo”. Essa premissa não só adiciona uma camada de imersão, mas também transforma cada “game over” em um novo começo, uma nova chance de aprender e avançar, o que é fundamental para a experiência roguelite. No entanto, devo admitir que a introdução é um tanto “rápida demais”, e eu senti falta de uma imersão mais profunda no que Asteria era antes da maldição, o que teria tornado as apostas da minha luta ainda mais claras.
Para um mundo tão visualmente rico, um prólogo mais robusto poderia ter ancorado a experiência de forma mais significativa, elevando a sensação de urgência e o peso da minha missão. Sem essa base, a luta por Asteria, por vezes, parece uma “frustração sombria por si só”, com “apostas incertas” que podem diminuir o impacto emocional da jornada.
Estratégias e Desafios do Combate
No coração de Shuffle Tactics está o combate tático baseado em “turno”, e é aqui que o jogo realmente brilha. As batalhas acontecem em mapas de grade quadrada, que são surpreendentemente grandes. Uma característica que me chamou a atenção foi a estrutura de turnos: as equipes inteiras agem de uma vez. Primeiro, todas as minhas unidades se movem e agem, e só então os inimigos respondem coletivamente. Isso exige um planejamento meticuloso, pois um erro pode ser punido severamente por um ataque coordenado do inimigo. Cada unidade possui pontos de movimento e pontos de ação para jogar cartas, e o uso estratégico de cartas pode até mesmo reembolsar pontos, como a habilidade “Shoulder Bash” do Doberknight, que devolve um ponto de habilidade se o inimigo for empurrado contra um obstáculo. Essa mecânica de turno em bloco, embora desafiadora, permite a execução de combos complexos e a coordenação de movimentos que, quando bem-sucedidos, são incrivelmente satisfatórios.
O posicionamento é, sem dúvida, de vital importância. O combate exige “táticas de batalha astutas e posicionamento afiado”. Navegar por esses campos de batalha 3D expansivos, onde cada ângulo e elevação podem ser decisivos, é um desafio constante. Elementos ambientais, como incendiar ou congelar um ladrilho, podem aprimorar certas cartas, e empurrar inimigos contra obstáculos ou combiná-los com ataques de companheiros muda drasticamente a abordagem de cada corrida. O sistema de efeitos de status adiciona uma camada extra de profundidade, permitindo estratégias complexas, como preparar o terreno com fogo antes de um ataque em área.
A cada turno, o tabuleiro se transforma em um quebra-cabeça dinâmico, onde a criatividade tática é tão recompensada quanto a força bruta. No entanto, a ausência de controle livre da câmera pode, por vezes, dificultar a visualização completa dessas oportunidades táticas, o que é um ponto a ser aprimorado para que o jogador possa explorar todo o potencial do campo de batalha. Além disso, a aleatoriedade das cartas pode, em essência, “arruinar completamente seu planejamento tático”, já que você nunca sabe quando terá acesso a certas habilidades cruciais. A imprevisibilidade, embora inerente ao gênero, por vezes, parece desequilibrada, transformando a estratégia em uma aposta de alto risco.
O Coração do Deckbuilding
O Coração do Deckbuilding Shuffle Tactics brilha no seu robusto sistema de construção de baralho. A cada vitória, ganhava novas cartas, relíquias e amuletos, com variedade suficiente para criar combinações quase infinitas. São mais de 300 cartas de herói e 150 de companheiros.
As relíquias concedem vantagens passivas, enquanto os amuletos podem ser aplicados às cartas para aprimorar atributos ou adicionar efeitos especiais. No entanto, senti falta de um tutorial mais claro sobre o uso dos amuletos, o que pode confundir jogadores no início. Além disso, as cartas básicas são fracas, tornando as primeiras partidas um pouco repetitivas até desbloquear opções melhores.
A sinergia entre cartas, companheiros, relíquias e o terreno torna cada batalha estratégica. Três heróis únicos estão disponíveis: Doberknight (foco em dano e mobilidade), Fletch (construtor defensivo) e Catalina (maga elemental). Infelizmente, o desbloqueio dos heróis extras é lento.
Os companheiros são um diferencial divertido. Com 10 disponíveis, cada um traz habilidades e cartas próprias, além de diálogos durante as partidas que adicionam charme. Meus favoritos foram a Moon Teacher, o Glimmer Gato e o Necro-Frend.
A estrutura roguelite garante rejogabilidade, com mapas ramificados e mais de 160 desbloqueios. Porém, a dificuldade pode parecer aleatória e o RNG influencia demais o sucesso. Inimigos que chamam reforços e flutuações bruscas de dificuldade prejudicam o ritmo. Um melhor escalonamento de desafio entre as áreas tornaria a progressão mais justa.
A ausência de um tutorial aprofundado também pesa. Levei horas para descobrir recursos básicos, como a visão aérea com CTRL. Pequenos bugs de câmera e cartas com comportamento estranho, como “Decimating Shot”, também geram frustrações. Além disso, aliados não podem atravessar uns aos outros, limitando o posicionamento.
Pixel Art e Trilha Sonora
Visualmente, Asteria é um espetáculo. A “direção de arte icônica” que combina pixel art detalhada com sombreamento e iluminação de alta qualidade é simplesmente deslumbrante. Os campos de batalha são “bem projetados” e “distintos sem serem poluídos”, muitas vezes com verticalidade que adiciona uma dimensão tática extra. E a trilha sonora? Sólida, com temas de exploração relaxantes e músicas de batalha que me impulsionavam, enquanto os efeitos sonoros forneciam um feedback excelente, aprimorando ainda mais a imersão. É um deleite para os sentidos, um convite visual e auditivo que, por si só, já justifica a exploração.
Desempenho e Questões Técnicas
Minha experiência com o desempenho de Shuffle Tactics foi, em geral, bastante fluida na minha máquina, que está equipada com um Ryzen 5 3600, RTX 4060 e 16 GB de RAM, oque sinceramente, já era esperado. O jogo rodou sem grandes problemas de FPS na maior parte do tempo, o que é crucial para um título onde o timing e a clareza visual são importantes. No entanto, como mencionei anteriormente, encontrei alguns bugs que, embora não fossem game-breaking, atrapalharam a experiência. A câmera, por exemplo, por vezes se comportava de forma estranha, e a interface do usuário ocasionalmente se sobrepunha a informações importantes, o que me forçava a ajustar a visão ou esperar para ver detalhes cruciais. Além disso, algumas cartas pareciam não funcionar como o esperado, como “Decimating Shot” ou “Fire Protection”, adicionando uma camada de confusão à já desafiadora aleatoriedade do combate. A impossibilidade de unidades aliadas passarem umas pelas outras também gerou momentos de frustração tática, especialmente em mapas mais apertados. Esses são detalhes técnicos que, se polidos, poderiam elevar a experiência de jogo a um novo patamar de fluidez e imersão.
O Potencial em Asteria
Shuffle Tactics é, em minha opinião, uma aposta ousada e, em grande parte, bem-sucedida. A fusão de RPG tático e deckbuilding funciona de maneira “lindamente”, e o sistema de companheiros adiciona uma “camada divertida de personalização”. A direção de arte é um deleite para os olhos, e a profundidade tática é inegável.
No entanto, a jornada por Asteria não é isenta de espinhos. A dificuldade, por vezes, parece mais arbitrária do que estratégica, e a falta de clareza em certas mecânicas pode afastar jogadores menos persistentes. É como ter um baralho de cartas poderosas, mas sem saber exatamente como combiná-las para o golpe perfeito.
Ainda assim, o potencial de Shuffle Tactics é palpável. Se os desenvolvedores conseguirem refinar o equilíbrio da dificuldade, otimizar a experiência de onboarding e continuar a expandir o conteúdo, este jogo tem tudo para se tornar um clássico cult. É um título que, apesar de suas imperfeições, me fez querer voltar para mais uma corrida, mais uma tentativa de desvendar os segredos de Asteria e, finalmente, quebrar o ciclo.
A maldição pode ser eterna, mas a sua vontade de vencer, ah, essa é inquebrável. E é essa vontade, essa chama inextinguível no coração do jogador, que fará de Shuffle Tactics uma história a ser contada, e recontada, por muito tempo.