Quando comecei a jogar Pivot of Hearts, minha única certeza era que estava diante de algo diferente — não só por ser um jogo brasileiro ambientado em São Paulo, mas pela forma como ele se revela aos poucos, sem pressa, com uma narrativa que prende do começo ao fim. Não é daqueles jogos que te entregam tudo mastigado logo na introdução; aqui, cada detalhe, cada personagem, cada cena vai se encaixando com naturalidade, e isso me fez mergulhar fundo na experiência, quase como se estivesse vivendo aquela história.

Narrativa que surpreende e emociona

A história gira em torno de Wén Xiàn, um programador taiwanês-brasileiro que, depois de um longo período de isolamento, começa a se abrir novamente para o mundo e para as pessoas. Ele se reconecta com Etsuko, alguém importante do seu passado, e forma um vínculo inesperado com Cauã, um novo colega de trabalho. O jogo mistura RPG de mesa, shows de heavy metal, sonhos de garoto mágico e a típica sofrência do jovem adulto, compondo uma trama que vai além do superficial.

O que realmente me surpreendeu foram os plots que, em vários momentos, me fizeram pensar: “Caramba, não esperava por isso!” Em diversas cenas, o jogo consegue transmitir com maestria a insegurança e a ansiedade que o protagonista sente, fazendo com que a experiência emocional fique muito próxima da realidade, mesmo em meio ao estilo visual predominantemente estático. Essa imersão nas emoções foi um dos pontos mais marcantes para mim.

Pivot of Hearts

Mecânica simples, porém cheia de significado

A gameplay é simples, centrada na mecânica das cartas. Cada escolha exige uma carta específica; caso você não a tenha, aquela opção simplesmente não pode ser usada. Isso adiciona uma camada de desafio e estratégia, pois não podemos forçar situações que não estão ao nosso alcance. Essa limitação torna a experiência mais verdadeira, pois assim como na vida, nem sempre temos as ferramentas certas para lidar com tudo.

Essa mecânica se alinha perfeitamente com a jornada do Wén, que precisa aprender a jogar com o que tem, a aceitar seus limites e ainda assim seguir em frente.

Pivot of Hearts

Personagens que fazem o jogo valer a pena

Se tem algo que fez Pivot of Hearts grudar na minha memória não foi só o visual bonito, nem as mecânicas de carta (que são muito boas, inclusive), mas sim os personagens. Eles são tão bem escritos que parece que você tá convivendo com eles, sentindo junto. Cada um deles me marcou de um jeito diferente, e é sobre isso que eu quero falar aqui.

Wén — o coração em reconstrução

Wén Xiàn é o protagonista da história. Um programador taiwanês-brasileiro que ficou muito tempo isolado, meio desconectado do mundo e das pessoas. Não é o típico herói de jogo, ele é humano demais — cheio de dúvidas, inseguranças e silêncio. O jogo consegue transmitir isso muito bem, tem momentos que me fizeram pensar: “Nossa, parece que ele tá travado por dentro… e eu entendi exatamente esse sentimento.” Em vários trechos, dá pra sentir as emoções dele só pelas pausas nos diálogos, pelo jeito que reage. Wén é alguém tentando se reconstruir, e acompanhar isso foi uma experiência forte.

Bárbara — caos bom de coração

A Bárbara, pra mim, é a melhor personagem do jogo. Sério. Ela tem uma energia que quebra o clima tenso e, ao mesmo tempo, empurra todo mundo pra frente. É aquela pessoa que faz, mesmo sem saber se vai dar certo. Ela é inesperada, tem atitude e é extremamente divertida. Em vários momentos, ela resolve coisas do jeito dela, fora da lógica dos outros personagens, e acaba acertando. Isso mostra como ela é diferente, mas necessária. É fácil gostar dela — talvez porque ela seja aquele tipo raro de pessoa que age com o coração antes da cabeça, mas ainda assim muda tudo ao redor.

Etsuko — o passado com voz e bateria

Etsuko é a baterista da banda Zero Absoluto e uma figura muito importante no passado do Wén. A relação entre os dois é cheia de camadas, um misto de carinho, mágoa e saudade. Dá pra ver que existe uma história entre eles que ainda dói um pouco, mas também tem afeto de verdade. Ela é inteligente, direta e parece sempre ter uma visão mais clara das coisas, mesmo quando tá ferida.

Cauã — o novo que traz leveza

Cauã é o tipo de personagem que chega de leve, mas vai ganhando espaço. Novo no grupo de amigos e colega de trabalho de Wén, ele ainda tá se encaixando, mas já mostra uma boa conexão com o Wén. Ele traz uma vibe mais descontraída e ajuda o protagonista a olhar o presente, sem ficar tanto preso ao passado. É como se ele fosse uma ponte pra uma nova fase — alguém que ainda tá aprendendo, mas já oferece suporte. A amizade entre eles cresce aos poucos, e isso deixa tudo muito natural. Cauã também curte RPG e entra fundo na ideia de interpretar, o que aproxima ele dos outros e da própria história.

Sigurd — voz, personagem e presença

Sigurd é o vocalista da banda Zero Absoluto, junto da Etsuko. Ele também é novo no grupo, assim como o Cauã, mas já chega com presença. O mais interessante do Sigurd é que ele adora interpretar personagens — tanto que isso transborda até nas conversas do dia a dia. Ele tem uma vibe performática, mas não é só encenação. Essa coisa de viver papéis parece ser parte do jeito dele de se expressar e até de se proteger. Sigurd é intenso, carismático, e cria um contraste interessante com o Wén.

No fim das contas, Pivot of Hearts não seria metade do que é sem esse elenco. Cada personagem tem um pedaço da alma do jogo — são únicos, vivos, cheios de conflito, humor, sonho, dor e beleza. Eles se complementam, se provocam, se curam. E é isso que faz esse jogo tão especial. São essas conexões que a gente leva depois de desligar o PC.

Pivot of Hearts

Referências culturais

Outro destaque é como o jogo incorpora referências culturais brasileiras de forma natural e nostálgica. Menções a doces como bala 7 Belo, o trazem aquele sabor da infância que muitos conhecem — criando uma ponte afetiva que torna tudo mais próximo e especial. Essas referências, junto com as alusões a jogos e elementos culturais familiares, ajudam a construir um universo rico e genuíno.

Imperfeições técnicas que não ofuscam

O jogo tem seus deslizes: legendas com erros de digitação, falas que às vezes pulam duas linhas ao serem ignoradas, e um FPS que cai para 3 ou 4 frames em certos momentos sem motivo aparente. Embora isso possa incomodar, a jogabilidade não fica comprometida, já que a maior parte é estática e o ritmo da narrativa é preservado.

Talvez a carta certa nem exista

No fim das contas, Pivot of Hearts não me entregou um final épico no sentido clássico — ele me entregou algo mais raro: um espelho. Um lembrete de que às vezes a gente vai jogar a vida com cartas faltando, pulando diálogo sem querer, tropeçando em bugs que não afetam a jogabilidade, mas afetam a gente por dentro. E ainda assim, vale continuar jogando.

Esse jogo me fez rir do nada, repensar decisões, me conectar com personagens como se fossem velhos amigos, e até sentir a insegurança que o Wén escondia entre um silêncio e outro. E quando percebi, eu também estava interpretando um papel — tentando ser mais honesto comigo mesmo.

Talvez a carta certa nem exista. Talvez o segredo esteja em jogar mesmo assim.

E se isso não for uma das lições mais bonitas que um jogo pode deixar, então eu não sei o que é.

Nota
Geral
9
pivot-of-hearts-review-pcPivot of Hearts me pegou desprevenido. No meio de bugs, diálogos pulados e frames perdidos, ele me mostrou que o que realmente pesa não são as cartas que faltam, mas o que a gente sente ao jogá-las. É um jogo que erra como a gente erra, e acerta exatamente onde importa: naquilo que a gente não costuma dizer em voz alta.